VILLIERS DE L’ISLE-ADAM – ficcionista

Bruno Anselmi Matangrano

Auguste de Villiers de L’Isle-Adam (Saint-Brieuc, 1838-Paris, 1889) foi um ficcionista e dramaturgo francês, cujas obras costumam ser associadas ao movimento simbolista e à estética decadente que marcou a segunda metade do século XIX.

Dotado de uma prosa arcaizante e bastante poética, marcada por expressões latinas, pontuação abundante e esdrúxula e enredos tortuosos, Villiers incorporou o elemento insólito em praticamente todas as suas produções. O gosto pelo macabro e pela crueldade, que revelam a leitura de Edgar Allan Poe (1809-1849), amalgama-se à duas tendências a princípio antitéticas: seu interesse pelas inovações científicas da época e seu pendor pelo místico, pelo esotérico e pelo oculto, tão em voga no momento finissecular. Desse casamento inusitado, nasce, por exemplo, Eva Futura, seu único romance, publicado em 1886, no qual, segundo os termos de Jean-Baptiste Baronian (2007, p. 108), Villiers conjuga o mito de Fausto ao monstro de Mary Shelley (1797-1851), prenunciando questões e preocupações que só seriam bem trabalhadas pela ficção científica futura quarenta anos depois.

No entanto, foi na narrativa curta que seu talento mais se destacou. Villiers publicou diversos volumes de contos, dentre os quais, os célebres Contos Cruéis (1883), Novos Contos Cruéis (1888) e Histórias Insólitas (1888). Quase todas os textos que compõem seus livros flertam com o insólito em algum nível, ora pendendo ao fantástico todoroviano, onde a hesitação se mantém do começo ao fim, ora enverando pelas trilhas do maravilhoso, abraçando e assumindo como verdade o elemento sobrenatural. Por sua vez, no célebre conto “Véra”, de 1874, depois, retomado na coletânea de 1883, vê-se o que o próprio Todorov (2007, p.59) chamou de “fantástico-maravilhoso” por atestar a veracidade do insólito, ao fim da narrativa. Além disso, como se mencionou a respeito de Eva Futura, Villiers antecipará muitos dos elementos da vindoura ficção científica, em alguns casos, aproximando-se da ideia de maravilhoso-científico, conforme seria teorizada na primeira década do século XX, o que também pode ser percebido em textos de pendor cientificista como “L’expérience du Dr Heidegger” e “Le nouvel Adam” (cf. BARONIAN, 2007, p. 107), ou ainda, em Claire Lenoir, “narrativa centrada em um simples adultério que se concluí em um espetáculo de horror […]: Bonhomet, introduzindo sondas monstruosas nas pupilas de Claire morta, percebe, refletida tão distintamente quanto em uma placa fotográfica, a imagem de seu marido (reencarnado vampiricamente em um pirata da Polinésia […])” (PRAZ, 1977, p. 272, tradução nossa).

Enquanto discípulo de Poe, Villiers também escreveu muitas narrativas que poderiam ser associadas ao terror e ao horror, discípulo como era da “escola macabra”, na expressão de Lovecraft (2007, p. 58-59), como se verifica no exemplo acima. O autor francês buscou assimilar de maneira muito autêntica, diversos traços do escritor americano, conforme atesta Baronian, ao estabelecer uma nítida relação entre contos “como ‘Véra’ (que retoma ‘Ligeia), ‘La torture par l’espérance’ (que retoma por seu desenvolvimento narrativo, ‘O poço e o pêndulo’), ‘Le convive des dernières fêtes’ (que retoma ‘O gato preto’)”, o que também percebe “como nos últimos capítulos de Tribulat Bonhomet (1887)”, coletânea da qual a novela mencionada por Praz faz parte. Ainda segundo Baronian, tanto em Poe quanto em Villiers é possível notar uma mesma “sedução por aquilo que se deteriora, um mesmo gosto pelo horror e pela crueldade, um mesmo estratagema naquilo que estrutura o suspense de uma narrativa, uma mesma desilusão diante do amor – uma mesma lógica sobrenatural” (2007, p. 107, tradução nossa).

Os elementos insólitos também se fazem notar em textos de classificação menos evidente, como “La légende de l’éléphant blanc”, conto do volume Amour suprême, de 1886, no qual um aventureiro parte rumo ao oriente para buscar o fabuloso animal do título, em uma espécie de narrativa de criptozoologia. Já em “Le Tueur des Cygnes”, também do livro Tribulat Bonhomet, o tecido da realidade se rompe sutilmente pela presença do canto mitológico dos pássaros do título massacrados cruelmente para deleite estético da controversa personagem que dá seu nome à recolha.

Por fim, vale mencionar que o fantástico, o maravilhoso e o insólito, de modo geral, fazem-se igualmente presentes nas peças do autor, dentre as quais se destaca Axël, cuja história recupera elementos alquímicos e ocultistas, em uma ambientação que brinca com o imaginário medieval inspirado em lendas nórdico-germânicas que tanto haviam sido difundidas na França de então pelas óperas de Richard Wagner (1813-1883).

REFERÊNCIAS

BARONIAN, Jean-Baptiste. Panorama de la littérature fantastique de langue française. Paris: La Table Ronde, 2007.
LOVECRAFT, H. P. O Horror Sobrenatural em Literatura. Tradução de Celso M. Paciornik. São Paulo: Iluminuras, 2007.
PRAZ, Mario. La chair, la mort et le diable: le romantisme noir. Tradução de Constance Thompson Pasquali. Paris: Denoël, 1977.
TODOROV, Tzvetan. Introdução à literatura fantástica. Tradução de Maria Clara Correa Castello. São Paulo: Perspectiva, 2008.

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

CESERANI, Remo. O Fantástico. Tradução de Nilton Cezar Tridapalli. Curitiba: ED. UFPR, 2006.
DEENEN, Maria. Le merveilleux dans l’oeuvre de Villiers de L’Isle-Adam. Librairie Georges Courville, 1939.
DOMINGOS, Norma. O Fantástico cotidiano em Contes cruels. In: ESTEVES, Antonio R.; RAPUCCI, Cleide Antonia (Orgs). Vertentes do Insólito e do Fantástico: leituras. Rio de Janeiro: Dialogarts, p. 257-273, 2017. Disponível em: www.dialogarts.uerj.br/arquivos/VertentesDoInsólitoeDoFantástico_leituras-onlineff.pdf#page=256. Acesso em 15 jul. 2020.
MATANGRANO, Bruno Anselmi. O Matador de Cisnes – Um conto de Villiers de L’Isle-Adam traduzido e anotado. Revista Non Plus, ano 5, n. 10, p. 288-300, 2016. Disponível em: www.revistas.usp.br/nonplus/article/view/130955/127435. Acesso em 17 jul. 2020.
RAITT, Alan W. Villiers de l’Isle-Adam et le fantastique. Cahiers de l’AIEF, n. 32, p. 221-229, 1980. Disponível em: https://www.persee.fr/doc/caief_0571-5865_1980_num_32_1_1220. Acesso em 17 jul. 2020.
SCHNEIDER, Marcel. La Littérature fantastique en France. Paris: Fayard, 1964.
VILLIERS DE L’ISLE-ADAM, Auguste de. Œuvres complètes. Vol. I. Paris: Gallimard, 1986.
VILLIERS DE L’ISLE-ADAM, Auguste de. Œuvres complètes. Vol. II. Paris: Gallimard, 1986.
VILLIERS DE L’ISLE-ADAM, Auguste de. A Eva Futura. Ecila de Azeredo Grünelwald. São Paulo: Curitiba, 2001.
VILLIERS DE L’ISLE-ADAM, Auguste de. Axël. Tradução de Sandra M. Stroparo. Curitiba: UFPR, 2005