DON JUAN

Maira Angélica Pandolfi

A caracterização de Don Juan como personagem insólito requer, antes de tudo, uma reflexão sobre seu caráter absurdo, com base nos apontamentos de Albert Camus, em seu ensaio Le mythe de Sisyphe (O mito de Sísifo – ensaio sobre o absurdo), publicado em 1942. Nesse ensaio, Camus classifica o sedutor de ordinário, consciente e, por isso, absurdo. A consciência seria, assim, o gatilho para o estado de absurdidade que faz com que Don Juan mantenha uma postura diferenciada em relação ao tempo e às vicissitudes da vida. O homem absurdo é, portanto, um ser desprendido, sem memória e sem esperança, ou seja, sem passado e sem futuro. Ele se constrói apenas no fio cortante do presente, em um estado absoluto de consciência que o impele a uma vida condicionada ao deleite das experiências fugazes, sem deixar transparecer o menor traço de angústia existencial. É a perfeita encarnação do instante, à semelhança do Tenorio de Tirso de Molina, que reage de forma indiferente (cuán largo me lo fiáis / tenho tempo para me arrepender) às reiteradas advertências de que pagará pelos seus crimes na hora de sua morte. Ao desacreditar do sentido profundo das coisas, esse homem absurdo de Camus deixa de ter esperança e passa a valorizar, apenas, o turbilhão de experiências imediatas; fato que implica em uma forma de relacionar-se cuja ética é a da quantidade e não a da profundidade. Essa forma de amar leva o nome de “Donjuanismo”. Vive consciente de seus limites, sem ilusões, portanto, vive, e isso lhe basta. Viver é multiplicar-se absurdamente, amar a cada mulher como uma experiência única. Em Don Juan encontramos o riso, a agitação e o gosto pelo teatro. Em sua forma arquetípica, Don Juan é alegre, porque se sente dono de seu tempo, consciente dele, aproveitando-o com toda a liberdade que lhe convém. O ser consciente é o ser do absurdo.

Para José Lasaga Medina (2004), Don Juan não é apenas um personagem ou um arquétipo, já que o primeiro é sempre idêntico e irrepetível, enquanto o arquétipo representa figuras individuais que, embora não sejam idênticas, compartilham um mesmo núcleo de sentido. Segundo Lasaga Medina, Don Juan é tudo isso e um pouco mais. É um mito, e ser um mito não significa apenas ser uma história que alegoriza ou evoca, mas uma presença que gera novas histórias e melodias. Não se trata, portanto, de uma soma de representações, mas de novas configurações que carregam uma verdade eterna. Sua capacidade infinita de seduzir em todos os tempos e linguagens guarda um mistério. É esse mistério que o salva da morte, renovando-o de tempos em tempos, em inúmeras e novas configurações. Enquanto for imortal Don Juan será também absurdo, pois, como todas as coisas, o absurdo termina com a morte. Enquanto personagem de ficção, onde nasce Don Juan? Ele nasce da pena de um frade espanhol, Gabriel Téllez (1579-1648), que usa o pseudônimo de Tirso de Molina. Ingressou na Ordem das Mercés, no ano de 1600, em Madrid. Escreveu seu drama barroco EL Burlador de Sevilla y convidado de piedra, publicado em 1630, a partir da fusão de tradições lendárias populares medievais que circulavam pelo território europeu, nas quais desponta sempre um nobre cavaleiro blasfemo que faz um convite burlesco a uma caveira como forma de profanar os mortos. Rebelde, sacrílego e destemido, sedutor e cheio de energia, essa figura persegue sempre o mesmo objetivo: seduzir mulheres comprometidas e desonrá-las, burlando qualquer tipo de autoridade, sem medir meios para alcançar seu fim. Lasaga Medina ressalta que os pilares do mito donjuanesco são formados por três elementos em conexão: a sedução erótica, a burla da autoridade e a transgressão como experiência de sua própria liberdade. De tempos em tempos Don Juan muda de figurino, mas sua essência permanece. Crente, ateu, jovem ou velho, a plenitude de seu gozo depende da transgressão e da burla, pois sem correr riscos não é possível acender a chama de seu desejo, dado que se avizinhar da morte é para ele algo quase banal, porém, necessário alimento à sua vaidade. No começo da peça barroca de Tirso, El Burlador de Sevilla y convidado de piedra (1630), Don Juan Tenorio finge ser o duque Octavio para burlar a duquesa Isabela. Esse intento não apenas desonra a mulher, mas também atinge a honra masculina e profana o castelo e as ordens do rei. Importante lembrar que desde o começo dessa primeira aventura Don Juan já é um desterrado, um transgressor da ordem, que está cumprindo uma pena. Contudo, sua condição aristocrática o resguarda, fazendo-o repetir sempre as mesmas infrações, visto que é um “protegido” dos poderosos.

A dissimulação, portanto, tem nele uma de suas principais características. Ser um herói de mil caras tem garantido, na opinião da crítica especializada, a imortalidade do mito, constantemente revisitado e revigorado na atualidade. Sua forma de amar, designada “donjuanismo”, constitui o próprio elemento insólito da narrativa ficcional donjuanesca da atualidade, pois, conforme Flávio Garcia (2011, p. 2), o insólito se refere ao “elemento da narrativa que não se apresenta de modo coerente com a realidade exterior, universo racional do leitor real, conforme o senso comum estabelecido no convívio social”. Nesse sentido, mais importante do que ter, de fato, seduzido uma mulher, é a fama conquistada pela personagem, já que esta alimenta a sua vaidade. Nesse patamar, poderíamos dizer que o “efeito Don Juan”, que se desdobra em sua característica principal e dual, ou seja, “o amor e a burla” ou o “donjuanismo”, tem como causa principal a sua essência teatral, pois Don Juan nasce ator no drama barroco do escritor espanhol Tirso de Molina e essa é a sua essência: representar/espetacularizar sempre, no palco da vida. A revisitação contemporânea ao mito literário de Don Juan tem resultado na criação de um tipo sociológico donjuanesco que apresenta como característica principal apenas o “donjuanismo”, deixando para trás outros elementos que mobilizam a narrativa do sedutor. Ao discorrer sobre a essência do “donjuanismo”, o escritor espanhol Ramón Pérez de Ayala (1880-1962) aponta em seu livro de Ensaios Las Máscaras (1919, Vol. I, p. 231) que a verdadeira essência do “donjuanismo” foi introduzida por Tirso de Molina ao atribuir a um tipo blasfemo, que já existia nas lendas medievais, a picaresca sensualidade de um burlador de mulheres. Desse modo, o crítico considera que sem essa soma não se pode falar em um “caráter donjuanesco”. Sobre a narrativa donjuanesca e seus elementos essenciais, também designada de mito literário donjuanesco, Jean Rousset (1981) foi quem caracterizou as três invariantes do mito: o inconstante (Don Juan), o grupo feminino e o morto. A junção desses três elementos que caracterizam o mito do sedutor foi realizada, pela primeira vez, por Tirso de Molina, pré fixando uma estrutura que posteriormente se repetiria em autores diversos, nas mais diferentes línguas e momentos históricos, renovando, sobretudo, a figura plástica de Don Juan. Segundo Rousset:

[…] o Inconstante corre de mulher em mulher (grupo feminino); numa das suas investidas galantes, mata o pai da mulher seduzida e este pai assassinado será o Morto provocado que retorna para castigá-lo. Duas fases decisivas: uma sedução seguida dum assassínio, depois o encontro com o morto, encontro de que deriva o desenlace do drama (1981, p. 32).

Até o final do Romantismo (século XIX), predominou na literatura a revisitação ao mito de Don Juan com a presença dessas invariantes e acréscimo de outros elementos. Sendo assim, o insólito ligado ao Mito residia, constantemente, nesse caráter fantástico da narrativa, conectando o vivo e o morto em um mesmo cronotopo, em um embate que poderia resultar em punição ou salvação, como ocorre em Don Juan Tenorio, drama romântico do espanhol José Zorrilla, publicado pela primeira vez em 1844. Nessa obra, por intermédio da mulher amada, Don Juan escapa do inferno após ser perdoado por uma vida inteira de libertinagem e crimes. Essa dimensão dupla, que não separa o burlador/criminoso do sedutor, já se encontrava em Tirso, mas a grande contribuição romântica ao mito foi a criação zorrillesca de Doña Inés (anjo de amor ou uma espécie de Virgem Maria que intercede pela salvação do pecador). A primeira obra literária que comporta seu nascimento o define concretamente como “o burlador de Sevilha” e não propriamente “o sedutor Don Juan” que conhecemos na modernidade. A luta contrarreformista da Espanha de Tirso encontra-se na base do drama do Burlador que deseja gozar dos prazeres de sua existência de uma forma totalmente livre das normas sociais e das imposições morais e religiosas da época. Nela, evidenciam-se as principais características do burlador: o seu caráter sacrílego e a sua insólita coragem. Somente um ser dotado de uma coragem descomunal desafiaria as esferas celestiais contrarreformistas, representadas pelo “convidado de pedra” (a estátua de um morto) que retorna ao mundo dos vivos para se vingar de Don Juan e honrar todas as suas vítimas. É por essa razão que Blanca de Los Ríos de Lampérez (1916) o define como um personagem transmigrador e multiforme. Sua plasticidade advém de seu caráter “fronteiriço”, ou seja, está entre o humano e o divino. Ele se aproxima do humano pela paixão da carne e pela ideia cristã do pecado e, ao mesmo tempo, se afasta de nós por sua audácia em afrontar os poderes terrenos e também sobrenaturais. Essa audácia e rebeldia elevam-no ao patamar de Lúcifer, o anjo das trevas. Deslindando a essência insólita de Don Juan, Blanca de Los Ríos de Lampérez conclui que ele é da estirpe dos honrados cavaleiros que conservam sempre sua elegância aristocrática, marcada pela honra de ser destemido ante qualquer tipo de poder. Don Juan literário é fruto, desse modo, da era cristã, representado na literatura como um católico que se esqueceu de Deus; um crente preocupado apenas em viver o presente, embebido dos prazeres carnais e sem se arrepender de seus atos transgressores, embora consciente de que um dia a conta de seus pecados haveria de chegar. Mas, Don Juan é aquele que não se preocupa com o futuro e tampouco com o passado. Ainda segundo Blanca de Los Ríos, essa composição de traços o distingue dos demais libertinos e sedutores que existiram antes dele, pois somente a partir da figuração que lhe confere Tirso é que podemos falar de “donjuanismo” ou um modo de amar donjuanesco. O divisor de águas dessa forma insólita e barroca de amar de Don Juan é a fase romântica (século XIX), que coloca um fim na ausência de culpa do burlador barroco que, mais do que qualquer outra coisa, representava a encarnação do mito do poder, com sua forte crítica à aristocracia espanhola, cuja sociedade se restringia a salvaguardar as aparências. “Don Juan leva ao extremo a destruição dos mecanismos dessa salvaguarda e, simultaneamente, comprova a falência da justiça, incapaz de detê-lo e chegando sempre tarde na tentativa de puni-lo” (GONZÁLEZ, 2004, p. 29).

Além disso, na fase barroca do personagem (século XVII), predomina a encarnação do mito do poder e o insólito consiste em um fascínio que a personagem exerce sobre as mulheres e que está longe de representar um tipo de homem, pois o objetivo é afrontar o poder, sobretudo dos homens, atacando a honra marital. Posteriormente, esse tipo de comportamento resultará na redução da dimensão mítica da personagem, que entra para a modernidade apenas como um ordinário conquistador. Até o século XVIII, com a versão de Da Ponte, no libreto para a ópera de Mozart, Don Giovanni o l’ empio punito (1787), ainda predomina a imagem de Don Juan como um privilegiado da aristocracia cuja punição apenas pode alcançá-lo por meio do divino.

A dimensão do amor, imposta pelo Romantismo (século XIX), e ausente na esfera barroca das representações donjuanescas, resulta na humanização da personagem, dotando-a, sobretudo, de culpa, o que lhe atribui memória e, consequentemente, passado. Segundo Carmen Becerra Suárez (1997), a maioria das versões românticas está voltada para o tema da salvação de Don Juan, como a já referida obra de José Zorrilla, uma das mais conhecidas e representadas até hoje na Espanha. A configuração do insólito no mito donjuanesco muda, portanto, com as novas facetas histórico-literárias embora carregando, em todas as recriações, elementos da essência satânica do primeiro burlador de Tirso de Molina. Essa essência se funde à faceta do sedutor ordinário que nos chega até os dias de hoje, em uma perfeita comunhão entre satanismo e donjuanismo. Ainda que o Romantismo tenha atribuído um caráter mais humano ao personagem, fazendo-o oscilar de burlador-criminoso e satânico sedutor a um homem apaixonado e arrependido, graças ao amor de Doña Inés, o mistério de sua sedução ainda permanece por toda a modernidade como o elemento que mais caracteriza o aspecto insólito do donjuanismo. Um dos estudiosos que mais contribuiu à observação desse elemento que perpassa as fases barroca, romântica e moderna da literatura donjuanesca, revelando a essência do elemento insólito que configura o herói sedutor, foi Pérez de Ayala (1919) que, em seu ensaio Las máscaras, dedicou uma reflexão ao satanismo de Don Juan: “las mujeres se enamoran de él como por obra y gracia del Espíritu y Santo, sólo que es por obra y gracia del diablo” (p. 327). Como nos chega hoje o insólito em Don Juan?

A modernidade do mito de Don Juan já havia sido anunciada por Camus quando este afasta o herói da fantasia romântica de uma paixão única, assegurando-lhe uma faceta oposta à do amor wertheriano. Nesse ínterim, o Don Juan de Camus está mais próximo ao da versão primitiva do devorador voraz de experiências fugazes e, ao mesmo tempo, distante do modelo de Tirso ao atribuir-lhe o absurdo da consciência do fim, ausente no Burlador. O francês parece que se esqueceu, contudo, de que Don Juan carrega em seu DNA uma pulsão de vida e de morte (Eros e Thanatos). Assim, ainda que velho e cansado, ele já havia se transformado em uma lenda e esta continuaria alimentando sua existência. Em um mundo sem Deus e sem Diabo qual seria, enfim, o rumo do lendário sedutor? É próprio da natureza do mito, como afirma a estudiosa Ester Abreu Vieira de Oliveira (1996), que seu tempo seja circular, por sua natureza reveladora de imagens coletivas que servem para os homens de todas as épocas, proporcionando um eterno retorno ao mítico relato. Por essa razão, a história do mito de Don Juan em nossa época revela problemas de nosso tempo.

Mas não é apenas como um sedutor de mulheres moralmente condenável que Don Juan figuraria nas produções do século XX. No filme Don Juan de Marco (1995), o protagonista é um grande leitor da lenda de Don Juan e tenta se refugiar nesta para fugir de sua frustrante realidade, em uma clara alusão ao que ocorre com Alonso Quijano na obra Dom Quixote, pois em ambas as personagens buscam fugir da realidade e são consideradas loucas. Livre de suas culpas, tal como o burlador tirsiano, Don Juan de Marco “supera a negação barroca da natureza ou sua falsificação romântica ao descobrir-nos que não é necessário morrer para chegar ao Paraíso, mas que, pelo contrário, o amor, o prazer e a existência coincidem na mítica ilha de Eros que todos levamos dentro, à qual é possível aceder pela sedução” (GONZÁLEZ, 2004, p. 36).

Mas é importante observar também que outra esfera predominante nas revisitações ao mito a partir do século XX é a do burlador burlado, onde a consciência da culpa é retomada de forma ainda mais intensa do que nas produções românticas, com o intuito de problematizar, na atualidade, questões sobre as masculinidades. Na versão paródica de conto de fadas, do argentino Lazaro Covadlo, Callejón sin salida: la bella y la bestia (2011) esse “Don Juan valente, inconsciente e instintivo, que é o da matriz tirsiana, se contrapõe, na obra em análise, a um Don Juan moderno com todos os seus traumas, encarnado na figura de um príncipe edípico, atormentado pela figura da mãe terrível” (PANDOLFI, 2015, p. 146). Assim como esta insólita versão, outras recriações em que desponta o insólito ficcional na contemporaneidade contemplam uma forma de sedução que não é mais subversiva, visto que não desafia nada nem ninguém e onde o jogo é substituído pelo gozo. Muitas apontam para a morte da sedução e a ascensão do pornô como uma forma de problematizar as masculinidades e não somente a condição da mulher em uma sociedade dominada pela cultura machista. Exemplos que representam essa tendência englobam não apenas obras de língua espanhola, como a de Lazaro Covadlo, mas também obras brasileiras como a de Gabriel Lacerda, A redenção de Don Juan ou O dissoluto premiado (1996), na qual o sedutor se converte em um burlador-burlado até alcançar sua autodescoberta e resolver, por meio dos conflitos de alteridade, a problemática que envolvia a sua masculinidade donjuanesca, libertando-se desta. Esse desfazer-se da vestimenta donjuanesca assume a condição de algo libertador no homem, que passa a ser o centro da questão e não mais a mulher. O mesmo insólito se configura em Don Juan de Marco, cujas experiências donjuanescas retratadas pelo paciente jovem ao psiquiatra ancião devolvem a este um novo vigor ao seu casamento em crise, sufocado pela rotina dos anos. Ao ser envolvido pelos relatos de Don Juan, o psiquiatra encontra meios de reconquistar sua mulher, renovando seu casamento. Em linhas gerais, o insólito ficcional em Don Juan consiste nessas constantes retomadas e inversões de sua faceta primitiva, numa dialética que envolve a tradição e a ruptura como forma de recriar ou de criar algo que problematize questões de nosso tempo.

Essas novas criações donjuanescas apontam, assim, para um aprofundamento dos estudos de gênero, não exclusivamente aqueles que envolvem o feminismo como arma de luta contra a opressão e a desigualdade, mas todos aqueles que envolvem também as masculinidades, para não falar das questões homoafetivas que tanto marcaram a fortuna crítica donjuanesca a partir dos ensaios de Gregório Marañón, publicados primeiramente em 1924. Estes defendem a tese da frágil masculinidade de Don Juan, originando obras literárias que destronam a patente virilidade do sedutor e lhe atribuem, enfim, uma face afeminada. Em 1940, Marañón publicou Don Juan, ensayos sobre el origen de su leyenda, onde encontra um correspondente histórico que pode ter servido de inspiração a Tirso de Molina. Trata-se da lendária história do Conde de Villamediana que reúne, em suma, as características que corroboram a tese sobre a falsa virilidade de Don Juan já defendida por ele em publicações de 1924. Como resultado da repercussão desses ensaios e da tese defendida por Marañón surgem uma série de obras literárias que versam sobre a faceta homoafetiva da personagem. Como exemplo, podemos considerar o romance Tigre Juan y El curandero de su honra (1926), de Ramón Pérez de Ayala, que introduz em sua criação artística a tese sobre a falsa virilidade de Don Juan, defendida por seu amigo íntimo, Gregorio Marañón, em ensaios contemporâneos à escritura desse romance. Ayala cria um Tenorio afeminado por meio do personagem Vespasiano. A mesma tradição donjuanesca é seguida em uma versão recente, da autora portuguesa Teresa Martins Marques, em A Mulher que venceu Don Juan (2013), romance que introduz uma trilogia donjuanesca, priorizando as diversas facetas do donjuanismo, sobretudo, a feminina, ainda carente de estudos. Como apontado anteriormente, o insólito ficcional no Mito de Don Juan se configura, assim, um mosaico de possibilidades que revisitam questões internas à própria configuração estereotipada da personagem, por meio de retomadas e rupturas, inversões paródicas, hibridismos, desmitificações e remitificações sem perder a essência desta, revivendo e, ao mesmo tempo, recriando sua memória. Essa corrente contínua de um relato que se alimenta de si mesmo assegura o caráter imortal do mito literário e ilumina sua consistência e abundância na atualidade, problematizando questões contemporâneas por meio de profundas reflexões que oferecem uma resposta responsiva ao nosso momento histórico por meio de diversas produções e linguagens artísticas.

REFERÊNCIAS

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BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

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