FICÇÃO WEIRD

Alexander Meireles

A Ficção weird está intimamente associada a dois nomes: Primeiro, o escritor norte-americano Howard Phillips Lovecraft, nome que se tornou sinônimo de Ficção weird nas décadas de 1920 e 1930 e um dos principais disseminadores desta expressão do fantástico no país (JOSHI, 2014, p. 493). Segundo, a revista norte-americana pulp Weird Tales, publicada desde 1923 e que se tornou a principal revista dedicada ao weird na América, além de ser considerada uma das precursoras na adoção do sobrenatural e do oculto como temas centrais de sua linha editorial (VANDERMEER & VANDERMEER, 2011, p. xvi). Na Europa, esse papel foi sendo desempenhado desde 1919 pela revista alemã Der Orchideengarten, cuja publicação durou até 1931. No caso de H. P. Lovecraft o autor de “O chamado de Cthulhu” (1928) foi o primeiro escritor a buscar uma definição deste subgênero em seu ensaio O horror sobrenatural em literatura (1927). Para ele, na ficção weird precisa estar presente,

Uma certa atmosfera inexplicável e empolgante de pavor de forças externas desconhecidas […]; e deve haver um indício, expresso com seriedade e dignidade condizentes com o tema, daquela mais terrível concepção do cérebro humano – uma suspensão ou derrota maligna e particular daquelas leis fixas da Natureza que são nossa única salvaguarda contra os assaltos do caos e dos demônios dos espaços insondáveis. (2007, p. 17)

Percebe-se na afirmação de H. P. Lovecraft a complexidade em se compreender o weird, algo que também se reflete em sua tradução para o português. O que é weird? Estranho? Fantástico? Insólito? A utilização do termo “história fantástica” na edição em português, ao se traduzir o original “weird tale”, evidencia a perda de dimensões abarcada pelo original em inglês, o que faz com que em língua portuguesa se costume utilizar o termo “Ficção weird”. Outras palavras mencionadas pelo escritor como “Uma certa”, “inexplicável” e “desconhecidas” evidenciam a dificuldade de entendimento dessa expressão do modo fantástico nascida na primeira metade do século dezenove cujo nome se perde no berço das línguas europeias. “Weird” se origina no protoindo-europeu “wert”, com o sentido de “Virar”, “Dobrar”. “Wert” se desenvolveu no proto-germânico chegando ao nórdico antigo como “wurthiz” (“Destino”, “Inevitabilidade”) (MACHIN, 2018, p. 32). A palavra penetrou no anglo-saxão (inglês antigo) como “wyrd” (“Destino”), ganhando também expressão na antiga crença nórdica das Nornas, três entidades femininas de nomes Urd (“O que ocorreu”), Verdandi (“O que ocorre agora”) e Skuld (“O que deve acontecer”). Elas tecem a linha da vida de todo ser humano, desde o nascimento até a morte, quando a linha é cortada. A representação desses seres veio a sofrer uma mudança profunda na Escócia do início do século quinze, a partir da obra The Original Chronicle (1420), do poeta escocês Andrew Wyntoun. Encontra-se aí o primeiro encontro das “weird sisters” com o nobre Macbeth (SHAMAS, 2007, p. 9), sendo as três figuras femininas ainda associadas neste momento ao destino. Este episódio foi revisitado e ampliado pelo historiador Hector Boece em Scotorum Historiae (1527), apresentado como uma crítica ao rei histórico Macbeth. Mas, foi em Chronicles of England, Scotland and Irelande (1577), de Raphael Holinshed que se encontra a mais famosa descrição das weird sisters, vindo a ser usada como base por William Shakespeare para o desenvolvimento de sua peça no início do século dezessete.

Nos séculos dezessete, dezoito e dezenove, gradativamente, o sentido de weird no sentido de hoje, se referindo ao que é “sobrenatural, estranho e insólito” (DODD, 2017, p. 38), se intensificou. Em 1853, por exemplo, o termo “Weird Story” foi usado pela primeira vez na edição de outubro da revista inglesa Household Words através da alusão ao poema “A canção do velho marinheiro” (1798), do poeta Samuel Taylor Coleridge (MACHIN, 2018, p. 36). No mesmo ano, também na Household Words, a escritora Elizabeth Gaskell usou a palavra “weird” para descrever a atmosfera perturbadora do conto “The Old Nurse’s Story”. Por volta de fins da década de 1850, a noção de um estilo de ficção weird se tornou particularmente associado com o norte-americano Edgar Allan Poe (MACHIN, 2018, p. 36). De fato, H. P. Lovecraft (2007), China Miéville (2009) e Jeffrey Andrew Weinstock (2016) apontam Edgar Allan Poe como um dos precursores do weird pela forma como o ficcionista, poeta e ensaísta norte-americano inovou o Gótico na América ao explorar novos territórios do sobrenatural que foram além dos consagrados por esta vertente romanesca na Europa. Em Poe, a mente humana se coloca como um espaço paradoxalmente familiar e desconhecido para os que se voltam para desvendá-la. Na Europa, o irlandês Joseph Sheridan Le Fanu também é considerado um dos primeiros escritores a desenvolver narrativas weird que, como tais, se diferenciavam do praticado no período. Le Fanu modernizou a história de fantasma, ajudando a ficção sobrenatural a se desvincular das fontes externas de terror, passando a focar nos efeitos psicológicos do terror. Neste processo suas narrativas criaram a base para a literatura de horror desenvolvida hoje (SILVA, 2010, p. 11).

A virada do século dezenove para o século vinte, de fato, se mostrou o período mais influente para o estabelecimento da Ficção weird, encontrando expressão na obra de escritores como, dentre outros, Arthur Machen, Lord Dunsany, M. R. James, Algernon Blackwood, Robert William Chambers, Eleanor Scott, Mary Butts e H. P. Lovecraft. Em alinhamento com a atmosfera finissecular e sua busca pelo estabelecimento de paraísos artificiais, o Decadentismo também veio a exercer influência sobre a Ficção weird, algo observado nos contos de artistas identificados com esta postura artística, como o Conde Erick Stenbock e M. P. Shiel. Mas, como exatamente se estrutura a Ficção weird e como ela se relaciona com outras vertentes literárias vigentes no período que também estavam se reconfigurando ou ascendendo como a Fantasia, o Gótico, as histórias de fantasmas, a Ficção Científica e o próprio fantástico como gênero literário? (RUDDICK, 2012, p. 204). Quanto a esse último, e diferente da perspectiva teorizada por Tzvetan Todorov (1992) em que o gênero fantástico se configura como a irrupção do sobrenatural na realidade cotidiana levando protagonista (e leitor) a hesitação diante do fenômeno insólito, a Ficção weird trabalha na revelação de que o sobrenatural ocupa o mesmo espaço do natural, ora sendo descoberto ora se insinuando no cotidiano do protagonista (e do leitor) se colocando como agente de ansiedade na sua relação com o mundo. Este é o quadro observado em obras distintas como O grande deus Pã (1894), de Arthur Machen, O rei de amarelo (1895), de Robert W. Chambers, Os salgueiros (1907), de Algernon Blackwood. “O bebê de tarlatana rosa” (1910), de João do Rio e “O chamado de Cthulhu” (1928), de H. P. Lovecraft. Assim sendo, o weird vai reproduzir o impacto da Modernidade de fim do século dezenove e início do século vinte sobre o indivíduo. Como Marshall Berman (1986) explica:

Ser moderno é encontrar-se em um ambiente que promete aventura, poder, alegria, crescimento, autotransformação das coisas em redor – mas ao mesmo tempo ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos. […] ela nos despeja a todos num turbilhão de permanente desintegração e mudança, de luta e contradição, de ambiguidade e angústia. (p. 15)

Criaturas mitológicas interdimensionais, livros amaldiçoados, florestas insólitas, seres carnavalescos decadentes e extraterrestres atemporais, portanto, são os elementos de permanente desintegração e mudança, de luta e contradição, de ambiguidade e angústia mencionados por Berman que nutrem o weird. Um olhar mais detalhado sobre suas manifestações a partir dos primeiros momentos em contos do escritor Arthur Machen, Lord Dunsany, Algernon Blackwood e M. R. James mostram que o weird se alicerça no incômodo provocado pelo ambiente finissecular. Neste sentido, em um primeiro momento, seria possível encontrar no unheimlich freudiano um modo de leitura e constituição do weird. (FISHER, 2016, p. 10). Todavia, o infamiliar lida com o estranho dentro do familiar, o estranhamento familiar que se origina de dentro para fora. O weird, por outro lado, traz ao nível do conhecido algo que se encontra além do familiar, mas que não se reconcilia com o doméstico em seu movimento de fora para dentro. Dentro deste quadro, enquanto modo narrativo, S. T. Joshi (1990, p. 6-7) considera que a ficção weird se articula em divisões, como “fantasia, horror sobrenatural, horror não sobrenatural e quase ficção científica.” No diálogo do weird com a literatura Gótica e com o Decadentismo essa construção do incômodo é estruturada explorando espaços topofóbicos de ambientes naturais ou urbanos, os recônditos da mente humana com seus devaneios e estados alterados de percepção, personagens míticos e objetos simbólicos.

Com a emergente Ficção Científica de fins do século dezenove, essa comunicação com o weird parte das possibilidades reveladas pelos avanços científicos e teorias colocadas na esfera micro e macro. Assim, a Biologia trouxe a ameaça invisível e imprevisível dos micro-organismos, a Física subverteu as noções de tempo e espaço, ao passo que a Astronomia lançou especulações sobre os mistérios do universo. A Fantasia, por sua vez, contribuiu para o weird com seus ambientes oníricos e mundos secundários habitados por seres fantásticos e leis próprias. Percebe-se, assim, que o weird não busca em elementos do fantástico tradicional, como fantasmas, vampiros, lobisomens, alienígenas e demônios suporte para a veiculação de suas ideias, pois estes seres já evocam respostas específicas vinculadas a uma visão específica do sobrenatural. Em seu lugar, os personagens tomam ciência do indefinido, do evanescente, do disforme e do caos aparente que configura o elemento sobrenatural e que desafia tentativas de compreensão e apreensão. Após os precursores Edgar Allan Poe e Joseph Sheridan Le Fanu e sua fase inicial com escritores das últimas décadas do século dezenove e primeiras décadas do vinte, a ficção weird entrou em um novo momento após a morte de H. P. Lovecraft em 1937. De fato, como sustenta S. T. Joshi (1990, p. 1), o autor de Nas montanhas da loucura (1936) se coloca como uma ponte do weird entre a primeira e segunda fase visto que ele tinha a percepção de estar trabalhando com uma tradição já estabelecida por outros escritores, conforme se observa em suas análises em O horror sobrenatural em literatura. A partir de 1940 e durante a década seguinte a ficção weird encontraria sua expressão no crescente interesse norte-americano pelo Horror e Fantasia publicados em revistas de grande circulação como Playboy. Escritas por Ray Bradbury e Robert Bloch, as narrativas weird do período mesclavam elementos surrealistas com temas sociais relevantes na época. As mulheres também fizeram sua estreia neste campo, sendo a escritora Shirley Jackson sua principal representante (VANDERMEER, VANDERMEER, 2011, p. xviii).

Nos anos sessenta e setenta, em alinhamento ao contexto pós-moderno, o weird encontrou renovação temática e estrutural a partir das inovações introduzidas pela Ficção Científica New Wave. Além disso, a luta de grupos minoritários por representação social característico se formalizou no weird em escritoras como, para citar apenas algumas, Angela Carter, Joanna Russ e Octavia E. Butler, dando destaque a própria condição weird da mulher dentro da sociedade patriarcal. As décadas de 1980 e 1990 foram marcadas pela utilização de situações e elementos do cotidiano como matéria prima de histórias weird povoadas por pessoas comuns, serial killers e seres extradimensionais, caso das obras de Stephen King, Peter Straub e Clive Barker. Para Ann Vandermeer e Jeff Vandermeer em The weird (2011, p. xix-xx), a mais recente transformação da Ficção weird veio no início do século vinte e um com a ascensão do New weird. China Mièville, Jeff Vandermeer e K. J. Bishop são os representantes mais proeminentes desta evolução do weird, focando na complexidade do cenário da cidade e na decadência e mutilação do corpo humano como seus elementos centrais.


REFERÊNCIAS

BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar. A aventura da modernidade. Tradução de Carlos Moisés e Ana Ioratti. São Paulo: Companhia das Letras, 1986.
DODD, Kerry. From the Inevitable to the Inexplicable: Investigating the Literary and Linguistic Roots of the Weird. In: FANTASTIKA Journal. Issue 1. April 2017. Disponível em: https://fantastikajournal.com/publications/.
FISHER, Mark. The Weird and the Eerie. New York: Repeater, 2016.
JOSHI, S. T. The Weird Tale. Holicong: Wildside Press Edition, 1990.
JOSHI, S. T. Unutterable Horror: A History of Supernatural Ficion. 1: From Gilgamesh to the End of the Nineteenth Century). New York: Hippocampus Press, 2014.
JOSHI, S. T. Unutterable Horror: A History of Supernatural Ficion. 2: The Twentieth and Twenty-first Centuries). New York: Hippocampus Press, 2014.
LOVECRAFT, H. P. O horror sobrenatural em literatura. Tradução de Celso M. Paciornik. São Paulo: Iluminuras, 2007.
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RUDDICK, Nicholas. The fantastic fiction of the fin de siècle. In: MARSHALL, Gail. (Ed.). The Fin de Siècle. New York: Cambridge University Press, p. 189-206, 2012. (The Cambridge Companion to).
SHAMAS, Laura. We Three: The Mythology of Shakespeare’s Weird Sisters. New York: Peter Lang, 2007.
SILVA, Alexander Meireles da. Introdução. In: LE FANU, Sheridan. Carmilla: A vampira de Karnstein. Tradução de José Roberto O’Shea. São Paulo: Hedra, p. 9-37, 2010.
TODOROV, Tzvetan. Introdução à literatura fantástica. Tradução de Maria Clara Correa Castello. 2.ed. São Paulo: Editora Perspectiva, 1992. (Coleção Debates 98).
VANDERMEER, Ann & VANDERMEER, Jeff. Introduction. In: VANDERMEER, Ann & VANDERMEER, Jeff. The Weird: a compedium of strange and dark stories. New York: A Tor Book, p. xv-xx, 2011.

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

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