ROBÔ

Alexander Meireles

Ao contrário do que pode ser comumente imaginado, o robô não é um personagem vinculado aos avanços tecnológicos do século vinte. Na Idade Média, por exemplo, o fascínio do ser humano em buscar replicar a ação de Deus na criação de seres semelhantes à sua forma está expresso tanto nas lendas do século dezesseis sobre o Golem (do hebraico “homem sem alma”), uma criatura feita de barro que ganha a vida com o auxílio de um nome secreto ou da palavra de Deus (YASSIF, 2002, p. 183-184) quanto nos relatos de alquimistas como Cornélio Agrippa, Paracelso e Alberto Magno sobre a criação de homúnculos (FLORESCU, 1998, p. 194-198).Nas primeiras décadas do século vinte a crescente desumanização do ser humano frente ao ritmo acelerado da industrialização, que já tinha sido objeto de reflexão em A metamorfose (1915), de Franz Kafka, levou outro escritor Tcheco, Karel Tchápek, a publicar em 1920 a obra A fábrica de robôs (1920) (SILVA, 2012). Nesta peça teatral o termo “Robô” surgiu pela primeira vez a partir da sugestão de Joseph Tchápek, irmão do escritor, para usar a palavra tcheca robota (“escravo”, “servidão”, “trabalho forçado”) para dar nome aos produtos da fábrica R.U.R. (Rossum’s Universal Robots) (JOVANOVIC, 2010, p. 16).

Ironicamente, mesmo aqui na obra que as batizou, as criações mostradas não se encaixam na visão popular de robôs da Ficção Científica como um agrupamento de partes mecânicas e eletrônicas. Sendo produzidos de forma biotecnológica a partir da descoberta de um composto orgânico, os robôs de Tchápek se enquadram melhor na categoria de androides. A principal contribuição da peça de Karel Tchápek é a introdução do debate tanto sobre a exploração dos robôs pelo ser humano, resultando na rebelião do primeiro, quanto sobre a desumanização do homem diante da tecnologia. Mas seria o russo naturalizado norte-americano Isaac Asimov o escritor a explorar o potencial narrativo dos robôs em diversas publicações ao longo das décadas seguintes. Começando com o conto “Robbie”, publicado pela primeira vez na edição de setembro de 1940 da revista Super Science Stories com o título “Strange Playfellow”, Asimov trouxe uma nova abordagem para os robôs, afastando-os da imagem de seres ameaçadores e malignos veiculadas nas revistas de ficção científica das primeiras décadas do século vinte. O robô de Asimov, um ser metálico como a cultura pop aprendeu a reconhecer, tem sua existência regulada pelas chamadas Três Leis da Robótica, criadas pelo escritor. Sendo elas: 1 – um robô não pode causar dano a um ser humano, nem por omissão permitir que um ser humano sofra; 2 – um robô deve obedecer às ordens dadas por seres humanos, exceto quando essas ordens entrarem em conflito com a primeira lei; 3 – um robô deve proteger sua própria existência, desde que essa proteção não se choque com a primeira nem com a segunda lei da robótica (ROBERTS, 2000, p. 158). Estes princípios acabaram por ultrapassar o campo da literatura e ainda servem de base para os estudos dos robôs atuais e representações do personagem em outras mídias. As influências das leis de Asimov podem ser percebidas no robô Robby, do filme Planeta proibido (1956) e no robô da série de TV Perdidos no espaço (1965-1968).

Longe de se constituírem um elemento único, ligado ao tema dos homens artificiais, o autômato, o androide, o ciborgue e o robô possuem especificidades simbólicas e narrativas, ainda que estas possam se cruzar. Em virtude da sua semelhança física e, muitas vezes, comportamental com os seres humanos autômatos e androides são comumente utilizados em narrativas em que as fronteiras entre o natural e o artificial são colocados em xeque, a ponto de os próprios seres artificiais desconhecerem sua verdadeira natureza. Esse é o caso, para citar dos exemplos de mídias diferentes, do protagonista do conto “A formiga elétrica” (1969), de Philip K. Dick e os anfitriões da série televisiva Westworld. A prevalência do Autômato/Androide feminino aponta tanto para o desejo masculino de submissão e esvaziamento do ser feminino como instrumento das vontades do homem quanto para a ameaça que a figura da mulher enquanto ser incompreensível e imprevisível exerce sobre a imaginação masculina, como observados nos seres criados em “O homem de areia”, A Eva futura e Metropolis.

No caso do robô, a etimologia de seu nome faz com que este personagem seja recorrentemente explorado em obras que remetam a questões de grupos minoritários ou socialmente desprivilegiados. Na adaptação cinematográfica de 2004 da coletânea de contos Eu, Robô (1950), de Isaac Asimov, por exemplo, os robôs são associados a imigrantes latinos e outros marginalizados na América, sendo reservados a estes seres artificiais empregos de menor prestígio social, como empregado doméstico, catador de lixo, cuidador de cachorros e garçom. Por ser o mais alinhado com questões atuais do impacto da tecnologia sobre o ser humano na esfera social e em seu próprio corpo, o ciborgue vem sendo amplamente utilizado, principalmente no subgênero Cyberpunk, para discutir as fronteiras entre o ser humano e a máquina e como as partes se influenciam. Da mesma forma, o ciborgue permite contestar a arbitrariedade da construção de gêneros na sociedade usando a máquina como subversor das fronteiras entre o masculino e o feminino, algo expresso no filme Matrix (1999), onde o protagonista Neo sente o ato da penetração ao ser conectado pela primeira vez, via pino inserido em sua nuca, ao mundo virtual. O ciborgue também foi acolhido por teóricas para debater o lugar social de grupos específicos. Esse é o caso de Donna Haraway com seu ensaio “O manifesto ciborgue” (1985), em que a crítica propõe novos caminhos para o Feminismo além das fronteiras de gênero.

Na proposta de Haraway, a imagem do ciborgue como criatura composta por fusões entre o social e a ficção, entre máquina e organismo, permite ao Feminismo de base socialista, marxista e radical em contemplar as diferenças entre as mulheres.


REFERÊNCIAS

ASIMOV, Isaac, GREENBERG, Martin H., WARRICK, Patricia S. (Ed.). Máquinas que pensam: Obras primas da ficção científica. Porto Alegre: L&PM Editores, 1985.
FLORESCU, Radu. Em busca de Frankenstein: o monstro de Mary Shelley e seus mitos. Tradução de Luiz Carlos Lisboa. São Paulo: Marcuryo, 1998.
HARAWAY, Donna. Manifesto Ciborgue: Ciência, tecnologia e feminismo-socialista no final do século XX. In: TADEU, Tomaz. (Org.). Antropologia do Ciborgue: As vertigens do pós-humano. Tradução de Tomaz Tadeu. Belo Horizonte: Autêntica editora, 2000, p. 36-118.
JOVANOVIC, Aleksandar. Introdução. In: TCHÁPEK, Karel. A fábrica de robôs. Tradução de Vera Machac. São Paulo: Hedra, p. 9-23.
ROBERTS, Adam. Science fiction. London: Routledge, 2000. (The New Critical Idiom).
SILVA, Alexander Meireles da. Sobre robôs e insetos: a crise do fantástico em Karel Capek e Franz Kafka. In: REVISTA LETRAS & LETRAS. n. 2, v. 28, 2012. Disponível em: http://bit.ly/2Q8Ocv2. Acesso em 18 maio. 2019.
YASSIF, Eli. Golem. In: LINDAHL, Carl, MCNAMARA, John, LINDOW, John. (Eds). Medieval Folklore: a guide to myths, legends, tales, beliefs, and customs. Oxford: Oxford University Press, 2002, p. 183-184

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia Grega. Petrópolis: Editora Vozes, 1996.
CLUTE, John, LAGFORD, David, NICHOLLS, Peter (Eds.). The Encyclopedia of Science Fiction. Disponível em: http://www.sf-encyclopedia.com/. Acesso em 11 maio. 2019.
PRAZ, Mario. Introduction. In: FAIRCLOUGH, Peter (Ed.). Three Gothic Novels. Baltimore: Penguin Books, 1968.
ROBERTS, Adam. A verdadeira história da ficção científica: Do preconceito à conquista das massas. Tradução de Mário Molina. São Paulo: Seoman, 2018.