Ironicamente, mesmo aqui na obra que as batizou, as criações mostradas não se encaixam na visão popular de robôs da Ficção Científica como um agrupamento de partes mecânicas e eletrônicas. Sendo produzidos de forma biotecnológica a partir da descoberta de um composto orgânico, os robôs de Tchápek se enquadram melhor na categoria de androides. A principal contribuição da peça de Karel Tchápek é a introdução do debate tanto sobre a exploração dos robôs pelo ser humano, resultando na rebelião do primeiro, quanto sobre a desumanização do homem diante da tecnologia. Mas seria o russo naturalizado norte-americano Isaac Asimov o escritor a explorar o potencial narrativo dos robôs em diversas publicações ao longo das décadas seguintes. Começando com o conto “Robbie”, publicado pela primeira vez na edição de setembro de 1940 da revista Super Science Stories com o título “Strange Playfellow”, Asimov trouxe uma nova abordagem para os robôs, afastando-os da imagem de seres ameaçadores e malignos veiculadas nas revistas de ficção científica das primeiras décadas do século vinte. O robô de Asimov, um ser metálico como a cultura pop aprendeu a reconhecer, tem sua existência regulada pelas chamadas Três Leis da Robótica, criadas pelo escritor. Sendo elas: 1 – um robô não pode causar dano a um ser humano, nem por omissão permitir que um ser humano sofra; 2 – um robô deve obedecer às ordens dadas por seres humanos, exceto quando essas ordens entrarem em conflito com a primeira lei; 3 – um robô deve proteger sua própria existência, desde que essa proteção não se choque com a primeira nem com a segunda lei da robótica (ROBERTS, 2000, p. 158). Estes princípios acabaram por ultrapassar o campo da literatura e ainda servem de base para os estudos dos robôs atuais e representações do personagem em outras mídias. As influências das leis de Asimov podem ser percebidas no robô Robby, do filme Planeta proibido (1956) e no robô da série de TV Perdidos no espaço (1965-1968).
Longe de se constituírem um elemento único, ligado ao tema dos homens artificiais, o autômato, o androide, o ciborgue e o robô possuem especificidades simbólicas e narrativas, ainda que estas possam se cruzar. Em virtude da sua semelhança física e, muitas vezes, comportamental com os seres humanos autômatos e androides são comumente utilizados em narrativas em que as fronteiras entre o natural e o artificial são colocados em xeque, a ponto de os próprios seres artificiais desconhecerem sua verdadeira natureza. Esse é o caso, para citar dos exemplos de mídias diferentes, do protagonista do conto “A formiga elétrica” (1969), de Philip K. Dick e os anfitriões da série televisiva Westworld. A prevalência do Autômato/Androide feminino aponta tanto para o desejo masculino de submissão e esvaziamento do ser feminino como instrumento das vontades do homem quanto para a ameaça que a figura da mulher enquanto ser incompreensível e imprevisível exerce sobre a imaginação masculina, como observados nos seres criados em “O homem de areia”, A Eva futura e Metropolis.
No caso do robô, a etimologia de seu nome faz com que este personagem seja recorrentemente explorado em obras que remetam a questões de grupos minoritários ou socialmente desprivilegiados. Na adaptação cinematográfica de 2004 da coletânea de contos Eu, Robô (1950), de Isaac Asimov, por exemplo, os robôs são associados a imigrantes latinos e outros marginalizados na América, sendo reservados a estes seres artificiais empregos de menor prestígio social, como empregado doméstico, catador de lixo, cuidador de cachorros e garçom. Por ser o mais alinhado com questões atuais do impacto da tecnologia sobre o ser humano na esfera social e em seu próprio corpo, o ciborgue vem sendo amplamente utilizado, principalmente no subgênero Cyberpunk, para discutir as fronteiras entre o ser humano e a máquina e como as partes se influenciam. Da mesma forma, o ciborgue permite contestar a arbitrariedade da construção de gêneros na sociedade usando a máquina como subversor das fronteiras entre o masculino e o feminino, algo expresso no filme Matrix (1999), onde o protagonista Neo sente o ato da penetração ao ser conectado pela primeira vez, via pino inserido em sua nuca, ao mundo virtual. O ciborgue também foi acolhido por teóricas para debater o lugar social de grupos específicos. Esse é o caso de Donna Haraway com seu ensaio “O manifesto ciborgue” (1985), em que a crítica propõe novos caminhos para o Feminismo além das fronteiras de gênero.
Na proposta de Haraway, a imagem do ciborgue como criatura composta por fusões entre o social e a ficção, entre máquina e organismo, permite ao Feminismo de base socialista, marxista e radical em contemplar as diferenças entre as mulheres.
REFERÊNCIAS
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FLORESCU, Radu. Em busca de Frankenstein: o monstro de Mary Shelley e seus mitos. Tradução de Luiz Carlos Lisboa. São Paulo: Marcuryo, 1998.
HARAWAY, Donna. Manifesto Ciborgue: Ciência, tecnologia e feminismo-socialista no final do século XX. In: TADEU, Tomaz. (Org.). Antropologia do Ciborgue: As vertigens do pós-humano. Tradução de Tomaz Tadeu. Belo Horizonte: Autêntica editora, 2000, p. 36-118.
JOVANOVIC, Aleksandar. Introdução. In: TCHÁPEK, Karel. A fábrica de robôs. Tradução de Vera Machac. São Paulo: Hedra, p. 9-23.
ROBERTS, Adam. Science fiction. London: Routledge, 2000. (The New Critical Idiom).
SILVA, Alexander Meireles da. Sobre robôs e insetos: a crise do fantástico em Karel Capek e Franz Kafka. In: REVISTA LETRAS & LETRAS. n. 2, v. 28, 2012. Disponível em: http://bit.ly/2Q8Ocv2. Acesso em 18 maio. 2019.
YASSIF, Eli. Golem. In: LINDAHL, Carl, MCNAMARA, John, LINDOW, John. (Eds). Medieval Folklore: a guide to myths, legends, tales, beliefs, and customs. Oxford: Oxford University Press, 2002, p. 183-184
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia Grega. Petrópolis: Editora Vozes, 1996.
CLUTE, John, LAGFORD, David, NICHOLLS, Peter (Eds.). The Encyclopedia of Science Fiction. Disponível em: http://www.sf-encyclopedia.com/. Acesso em 11 maio. 2019.
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ROBERTS, Adam. A verdadeira história da ficção científica: Do preconceito à conquista das massas. Tradução de Mário Molina. São Paulo: Seoman, 2018.