PROSPER MÉRIMÉE – ficcionista

Bruno Anselmi Matangrano

Prosper Mérimée foi autor de várias e relevantes narrativas de cunho fantástico.

Seu início na vida literária se deu pelo teatro, com três peças de 1825, dentre as quais, Une femme est un diable, que, sem ser propriamente fantástica, flerta com o imaginário sobrenatural ao apresentar Mariquita, uma jovem acusada de bruxaria. Contudo, foi com La Guzla, de 1827, subtitulada “Seleção de poesias ilíricas recolhidas em Dalmácia, Bósnia, Croácia e Herzegovina”, que Mérimée começou de fato sua carreira como escritor. Trata-se de uma série de relatos romanceados de fenômenos sobrenaturais, sobretudo de vampiros, compilados a partir da tradição oral das Bálcãs, que “obteve excelente recepção, também pelo interesse da época por povos e culturas ‘exóticas’” (CARVALHO, p. 194). Em 1829, publica Vision de Charles XI, flertando novamente com o fantástico, a partir da temática fantasmática. Chabot (1980, p. 179) considera esse texto sua primeira incursão pelo gênero, uma vez que La Guzla apresenta uma forma pouco convencional.

Outros textos fantásticos de destaque são o conto “Les Sorcières Espagnoles” (1833), escrito a partir de uma série de lendas espanholas sobre bruxas, Les âmes du Purgatoire (1834), uma releitura sobrenatural do mito de Don Juan, La Chambre Bleu (1866) e Djoumâne (1867-1870). Neste último, em especial, verifica-se a hesitação ante o sobrenatural prescrita por Tzvetan Todorov, mantida do começo ao fim, de modo a não sabermos se de fato existe a criatura que dá nome à novela (cf. BARONIAN, 2007, p. 68).

Sua fama, no entanto, deve-se, em particular, a duas novelas, cujo sucesso se faz sentir ainda nos dias de hoje: La Vénus d’Ille (1837) e Lokis (1869). A primeira relata a história do jovem Alphonse que, às vésperas de seu casamento, deixa o anel de noivado na mão de uma estátua que acaba por ganhar vida e estrangulá-lo, reclamando-o como seu esposo, tema muito antigo que, segundo Lovecraft, ecoa a imagem da “estátua-noiva que Thomas Moore vazou em forma de balada em The Ring” (2007, p. 57). Nessa história, embora o fantástico se confirme, vê-se, como aponta Todorov (2008, p. 95), uma gradação na qual o elemento sobrenatural é introduzido pouco a pouco, mas nunca revelado em cena. Já Lokis conta a história de um professor alemão que parte para a fria Lituânia em busca de documentos sobre a antiga língua báltica; lá, depara-se com a lenda de homens-ursos (lokis significa “urso” em lituano) e acaba por presenciar um assassinato, atribuído a um desses monstros, também na altura de um casamento.

Em suma, a trajetória de Prosper Mérimée, enquanto escritor, em muitos pontos coincide com a do movimento ao qual normalmente é associado: o Romantismo, e, em particular, à vertente conhecida como noir longamente analisada por Mario Praz (1977). Em suas obras, são visíveis diversos temas e formas típicos do movimento, notadamente: o gosto pelo estrangeiro, pelo exótico, pelo oriental; a hesitação ante o sobrenatural, o macabro e o místico que tanto o atraem como o repelem, em sua busca pelo grotesco e pelo sublime; além de personagens femininas idealizadas, que oscilam entre sedutoras femmes fatales e vítimas cruelmente assassinadas.

REFERÊNCIAS

BARONIAN, Jean-Baptiste. Panorama de la littérature fantastique de langue française. Paris: La Table Ronde, 2007.
CARVALHO, Bruno Berlendis de (Org). Caninos: antologia do vampiro literário. São Paulo: Berlendis & Vertecchia Editores, 2010.
CHABOT, Jacques. Objet fantasmatique et conte fantastique dans Vision de Charles XI de Mérimée. Cahiers de l’AIEF, n. 32, p. 179-191, 1980. Disponível em: https://www.persee.fr/doc/caief_0571-5865_1980_num_32_1_1217. Acesso em 15 jul. 2020.
LOVECRAFT, H. P. O Horror Sobrenatural em Literatura. Tradução de Celso M. Paciornik. São Paulo: Iluminuras. 2007.
TODOROV, Tzvetan. Introdução à literatura fantástica. Tradução de Maria Clara Correa Castello. São Paulo: Perspectiva, 2008.

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

CESERANI, Remo. O Fantástico. Tradução de Nilton Cezar Tridapalli. Curitiba: ED. UFPR, 2006.
PRAZ, Mario. La chair, la mort et le diable: le romantisme noir. Tradução de Constance Thompson Pasquali. Paris: Denoël, 1977.
MARIGNY, Jean. La fascination des vampires. Paris: Klincksieck, 2009.
MÉRIMÉE, Carmen. Les Âmes du purgatoire / Carmen. Introdução, cronologia, bibliografia e notas por Jean Decottignies. Paris: GF Flammarion, 1973.
MÉRIMÉE, Carmen. La Vénus d’Ille et autres nouvelles. Introdução, notas e bibliografia por Antonia Fonyi. Paris: GF Flammarion, 2007.
RISCO, Cristina. Noces sanglantes chez Mérimée: La Vénus d’Ille et Lokis. Revue Littératures, n. 22, p. 83-91, 1990. Disponível em: https://www.persee.fr/doc/litts_0563-9751_1990_num_22_1_1500. Acesso em 15 jul. 2020.
SCHNEIDER, Marcel. La Littérature fantastique en France. Paris: Fayard, 1964.
TERRAMORSI, Bernard. L’île et le fantastique: à propos des ‘Sorcières Espagnoles’ de Prosper Mérimée et de ‘The Adalantado of the Seven Cities’ de Washington Irving. Revue angliciste de La Réunion, Université de La Réunion, p. 83-108, 1991. Disponível em: https://hal.univ-reunion.fr/hal-02337276/document. Acesso em 15 jul. 2020.