NEW WEIRD

George Augusto do Amaral

O new weird é tanto um movimento quanto um gênero da ficção insólita surgido no final do século XX, especialmente na Inglaterra, mas que contou, desde o princípio, com a participação de autores anglófonos de outros países e se expandiu para outras línguas posteriormente.

O termo “new weird” foi citado pela primeira vez pelo escritor e crítico inglês Michael John Harrison no prefácio para a novela The Tain (2002), de China Miéville. No ano seguinte, em abril de 2003, o próprio Harrison deu início a uma discussão a respeito dessa nomeação em um fórum virtual, contando com a participação de diversos autores, como China Miéville, Jeff VanderMeer, Stephanie Swainston, Justina Robson, Alastair Reynolds, Jeffrey Ford, Justina Robson, além de editores e críticos literários, totalizando mais de cinquenta pessoas. Harrison, Miéville e outros do grupo defendiam que diversas obras de ficção insólita contemporâneas àquele momento possuíam características muito diferentes do que fora produzido até então, o que exigiria um posicionamento e uma nomeação por parte dos autores, antes que o mercado o fizesse segundo suas próprias prerrogativas.

Em julho do mesmo ano, Miéville publicou um editorial na revista The 3rd Alternative, intitulado “Long Live the New Weird” [Vida Longa ao New Weird] (2003), no qual elaborou uma definição e selou definitivamente a escolha de new weird como nome que batizava aquele tipo de história. Esse texto ganhou repercussão e importância, uma vez que Miéville é considerado o autor mais proeminente do new weird, e o romance Estação Perdido (2000), de sua autoria, a obra paradigmática do gênero.

Como enfatiza VanderMeer (2008, p. xvii-xviii), com essa tentativa de entender o momento da ficção insólita, esses autores acabaram criando praticamente um movimento literário, que, enquanto tal, pode-se considerar que durou até perto do final da década de 2000, uma vez que esse grupo inicial aos poucos passou a escrever histórias que se afastavam das definições originais do new weird. Porém, enquanto um gênero ou categoria da ficção insólita derivada desse momento ou movimento, o new weird continua vigente, ainda que se combine e se adapte aos contextos próprios da ficção insólita de cada país onde se manifesta.

Assim, entre as características principais do new weird podemos considerar, em primeiro lugar, o hibridismo de gêneros do insólito, uma vez que pressupõe a utilização conjunta de elementos formais tradicionais de ficção científica, da fantasia e do horror de maneira mesclada, ao mesmo tempo renovando e reforçando essas convenções, mas sem negá-las ou tentar superá-las, ou seja, promovendo “tanto uma renúncia quanto um retorno” (Miéville, 2003, p. 3, tradução nossa). Essa mesma característica faz do new weird um tipo de ficção que se adapta e hibridiza facilmente em contextos regionais específicos, resgatando e reinterpretando formas literárias tradicionais de cada local. Em algumas obras, o hibridismo também aparece na mistura entre gêneros textuais, na forma com que peças que seriam de não ficção (crítica de arte, artigos acadêmicos, propaganda política e etc.) são incluídas como parte do contexto ficcional.

Em segundo lugar, o new weird traz uma preocupação com a complexidade da ambientação e extensão dos detalhes, o que Miéville (2003, p. 3, tradução nossa) e VanderMeer (2008, p. xvi, tradução nossa) chamam de “render-se ao weird”. Trata-se de criar e organizar o cenário extensivamente de acordo com sua lógica interna, não esquecendo das relações com o mundo real, mas não submetendo necessariamente todos os aspectos da obra a metáforas ou alegorias. Para Miéville (2003, p. 3), é preciso admitir que a obra serve também ao entretenimento e que a imersão do leitor em um mundo weird complexo e coerente, segundo suas lógicas internas, faz parte de se permitir render-se ao impossível. Esses cenários, na maioria das primeiras obras new weird, tendiam a ser essencialmente urbanos, com imensas cidades grotescas descritas em seus menores detalhes.

Ao mesmo tempo, essa riqueza de detalhes favorece que as relações com o mundo real sejam mais fortes e impactantes, o que nos leva ao terceiro ponto, a crítica social. Trata-se de uma ficção consciente das contradições históricas e sociopolíticas da época em que os romances foram escritos e que não tenta se afastar dessas questões, mas incorporá-las, criando cenários ficcionais baseados em “modelos complexos do mundo real” (VanderMeer, 2008, p. xvi), e que dizem respeito ao momento presente, colocando em questionamento aquilo que pensamos sobre nós mesmos e sobre o mundo (Weinstock, 2016, p. 187).

Nesse sentido, o new weird é citado por Miéville (2003, p. 3) como um tipo de ficção “pós-Seattle”, em referência às manifestações populares contra a Organização Mundial do Comércio em 2000, relacionando-se à percepção de que existem processos políticos e econômicos globais que precisam ser questionados, mas também ao retorno de uma esperança de transformação que havia desaparecido da literatura fantástica britânica dos anos anteriores, período que Miéville considera como uma fase de pessimismo e melancolia.

Entre as inspirações do new weird estão a ficção científica New Wave dos anos 1960 e o New Horror dos anos 1980, porém a sua principal influência é a ficção weird “tradicional” (também chamada de “haute weird”) surgida no final do século XIX e início do XX, e difundida por autores como H. P. Lovecraft, Robert Chambers, Arthur Machen, entre outros. O Horror era o aspecto central dessas narrativas, mas as características que, mais tarde, seriam consideradas típicas da fantasia e da ficção científica também estavam presentes. Essas histórias eram publicadas principalmente nas revistas Pulp da época, como a Weird Tales Magazine, que deu nome ao gênero. H. P. Lovecraft pode ser considerado como a principal influência dessa época para o new weird, especialmente pela atmosfera sublime de horror cósmico de suas histórias, nas quais o contato com o desconhecido promove a terrível sensação de que existe mais do que nossa mente pode compreender, e pela sua mitologia repleta de monstros tentaculares e grotescos, que rompem radicalmente com qualquer tradição folclórica: “aglomerações de bolhas, barris, cones e cadáveres, feitos de retalhos de cefalópodes, insetos, crustáceos, e outros membros de uma fauna notável precisamente pela ausência de monstros ocidentais tradicionais” (Miéville, 2009, p. 512).

Weinstock (2018, p. 214) ressalta que a ficção new weird, assim como o weird tradicional, é uma expressão sintomática da consciência de uma crise total; a crise, no entanto, mudou e foi amplificada, passando de uma consternação geral com a barbárie humana, motivada pelo reconhecimento da exploração capitalista e da carnificina da Primeira Guerra Mundial, para preocupações planetárias relativas às alternâncias da biosfera que põem em perigo os atuais modos de existência humana.

Dessa forma, no século XXI, o imaginário monstruoso do new weird se conecta a novas crises globais, tais como: as consequências opressivas da globalização, a expansão do neoliberalismo e da precarização do trabalho; as mudanças de visão a respeito da identidade de gênero e outras questões queer; a crise ideológica em torno da pós-verdade e das fake news; a crise política relacionada à revitalização da extrema direita e aos fluxos de imigração e de refugiados; e, mais recentemente, a crise ecológica do Antropoceno, o que inclui o aquecimento global, a mudança climática, a extinção maciça de espécies e, em última instância, a ameaça de um colapso civilizatório.

Há, porém, quando comparado com a ficção weird tradicional, uma transformação importante na maneira com que o new weird encara essas crises, que também são representadas por monstruosidades inomináveis e muitas vezes incompreensíveis. No weird lovecraftiano, essas irrupções insólitas são o indício de “uma suspenção ou derrota maligna e particular daquelas leis fixas da Natureza que são nossa única salvaguarda contra os assaltos do caos e dos demônios dos espaços insondáveis” (Lovecraft, 2008, p. 17), o que as tornam fascinantes, mas também motivo de desintegração, degeneração, loucura e morte, portanto geradoras de absoluto horror. Nas ficções mais recentes, a fascinação se direciona a uma transformação radical que pode ser desejável, mesmo que leve à dissolução do Humano em algo novo, um ser híbrido, mesclado, mas que pode ser maravilhoso. Isso mostra uma virada radical na visão de mundo dos autores new weird; em vez de um movimento reacionário, que encara com amargura e medo a perda da estabilidade do status quo, trata-se da busca pela aceitação de que essas monstruosidades já estavam presentes entre nós, apenas eram ignoradas, e que a abertura ao contato com a alteridade radical não só é a única alternativa, mas é também uma solução para desfazer as ilusões narcisistas da parcela da humanidade que se colocou por tanto tempo apartada da realidade da natureza, mantendo um construto ideológico precário e falível como pilar de seu suposto domínio sobre o planeta.

Nesse sentido, T. P. Echeverría (2020, p. 139-143) diz que “[o]s monstros do New Weird geralmente existem para demonstrar, pelo mero fato de existirem, que a naturalização da ordem social, das crenças, da política, até mesmo do conhecimento humano (incluindo o científico), é falsa. Que o estranho sempre irrompe e manifesta a ideia de um Outro”. É por isso que, agora, um monstro pode ser considerado “um prodígio que continua a nos fazer pensar, […] como uma libertação das amarras do que não é questionado, do que não é criticado, do que é cegamente aceito pela sociedade.”

O new weird é, assim, uma ficção de estranhamento por natureza: questiona os automatismos de pensamento, as normatizações e estruturas sociais rígidas pela sobreposição entre realidade familiar e mundos estranhos.

Entre os autores que, por volta dos anos 1990, passaram a trazer em suas obras elementos do que posteriormente se configuraria como o new weird, VanderMeer (2008, p. x-xi) cita Jeffrey Thomas, Thomas Ligotti, Michael Cisco, Kathe Koja, Richard Calder, Jeffrey Ford, Alastair Reynolds, Kirsten J. Bishop e o próprio Jeff VanderMeer.

Como obras exemplares do momento inicial do movimento, podemos considerar: a trilogia Estação Perdido (2000), The Scar (2002) e The Iron Council (2004) e a novela The Tain (2002), de China Miéville; The Etched City (2003), de Kirsten J. Bishop, A Year in the Linear City (2002), de Paul Di Filippo; a trilogia The Year of Our War (2004), No Present Like Time (2005) e The Modern World (2007), de Stephanie Swainston; e City of Saints & Madmen (2001) e Veniss Underground (2003), de Jeff VanderMeer, entre outras.

Muitos desses autores publicaram outras histórias new weird em momentos posteriores, porém frequentemente passaram a ampliar o gênero, mesclando-o com outras características formais ou criando novos hibridismos. VanderMeer, por exemplo, têm se destacado por sua dedicação ao weird ecológico, que se afasta dos temas urbanos e dá prioridade à crise ambiental e climática da atualidade, como demonstrado em sua trilogia Comando Sul, composta pelos romances Aniquilação, Autoridade e Aceitação (2014).

Para além do contexto anglófono no qual o new weird primeiramente se manifestou, hoje é possível encontrar em diversos países histórias que trazem muitas de suas características, mas também absorvem a influência de gêneros ou tendências literárias locais. Nesse âmbito podemos citar, por exemplo: as antologias Mundo Weird: Antología de nueva ficción extraña, volume 1 (2022), organizada por Federico Fernández Giordano e Ramiro Sanchiz (Espanha); Pasadizo a lo extraño (2019), organizada por T.P. Echeverría (Argentina); Cidades indizíveis (2011), organizada por Fábio Fernandes e Nelson de Oliveira (Brasil); a novela Alvorada em Almagesto (2021), de T. P. Echeverría (Argentina); os livros de contos Metanfetaedro (2012), de Alliah/Vic Vieira Ramires (Brasil); e Jagannath (2011), de Karin Tidbeck (Suécia); os romances Zen’nō (2020), de Karen Andrea Reyes (Colômbia); La sombra de las ballenas (2019), de Cynthia A. Matayoshi (Argentina); El Gusano (2018), de Luis Carlos Barragán (Colômbia); Rosewater (2017), de Tade Thompson (Nigéria); Ordem vermelha: filhos da degradação (2017), de Felipe Castilho (Brasil); e muitos outros.

REFERÊNCIAS

ECHEVERRÍA, T.P. Mira. New Weird: sempre é possível outra realidade. Revista Fantástika, São Paulo, v. 3, p. 135-145, 2020. Disponível em: https://fantastika451.files.wordpress.com/2023/03/revista-fantastika-451_v3_verao_2020_2g.pdf. Acesso em: 21 dez. 2023.
LOVECRAFT, Howard P. Horror sobrenatural em literatura. São Paulo: Iluminuras, 2008.
MIÉVILLE, China. Long live the New Weird. The 3rd alternative, Cambs, n. 35, p. 3, 2003.
MIÉVILLE, China. Weird fiction. In: BOULD, Mark; BUTLER, Andrew; ROBERTS, Adam; Vint, Sherryl. The Routledge Companion to Science Fiction. London: Routledge, p. 510-515, 2009.
THE NEW WEIRD (TNW). Disponível em: http://www.kathryncramer.com/ kathryn_cramer/the-new-weird-p-1.html. Acesso em: 5 maio. 2017.
VANDERMEER, J. The New Weird: “It’s alive?” In: VANDERMEER, A.; VANDERMEER, J. The New Weird. São Francisco: Tachyon, 2008.
WEINSTOCK, Jeffrey Andrew. Jeff VanderMeer’s Annihilation (2014): Gothic and the New Weird. In: BACON, Simon (Org.). The Gothic: a reader. Oxford: Peter Lang, p. 211-216, 2018.
WEINSTOCK, Jeffrey Andrew. The New Weird. In: GELDER, Ken (Org.). New Directions in Popular Fiction: Genre, Distribution, Reproduction. Londres: Palgrave Macmillan, p. 177-199, 2016.

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

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AMARAL, George A. Novo Estranhamento e Consciência Política: gêneros literários em “Perdido Street Station”, de China Miéville. 2017. Dissertação (Mestrado em Teoria Literária e Literatura Comparada). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017. Disponível em: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8151/tde-09012018-185349/pt-br.php.
AMARAL, George A. O New Weird: hibridismo formal e consciência política em Estação Perdido, de China Miéville. Abusões, v. 12, n. 12, p. 260-292, 2020. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/abusoes/article/view/46359.
BRADIĆ, Marijeta. Towards a poetics of weird biology: strange lives of nonhuman organisms in literature. Pulse: the Journal of Science and Culture, v. 6, p. 1-22, 2019. Disponível em: https://www.pulse-journal.org/_files/ugd/b096b2_92e682754199476eb36c5a19e9777da3.pdf?index=true.
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VANDERMEER, Jeff. Hauntings in the Anthropocene. Environmental Critique,  2016b. Disponível em: https://environmentalcritique.wordpress.com/2016/07/07/hauntings‐in‐the‐anthropocene/.