MAGIC TOYSHOP (THE), literatura – Angela Carter

Talita Annunciato Rodrigues

The Magic Toyshop é o segundo romance escrito pela autora inglesa Angela Carter, publicado em 1967. Pelo livro, Carter ganhou o prêmio Llwellyn Rhys dois anos após seu lançamento, trabalhando também no roteiro da adaptação para o cinema, que deu origem ao filme dirigido por David Wheatley em 1987.

Embora suas primeiras publicações, como Shadow Dance (1966), Several Perceptions (1968) e Love (1971), fossem consideradas por grande parte da crítica como ficções realistas e produto dos anos 1960 e da contracultura, formando a “Trilogia de Bristol” (SAGE, 1994, p. 22), The Magic Toyshop se destaca pelo estilo peculiar e o diálogo com o insólito.

Explorando o cerne do tecido social por meio de narrativas como contos de fadas e mitos, e do imaginário coletivo ao revisitar diversos personagens e símbolos familiares, Carter cria um universo no qual Melanie, uma adolescente de 15 anos em pleno processo de autodescoberta, vê seu mundo se transformar de forma repentina, como uma espécie de rito de passagem, quando os pais morrem em um acidente e ela e os irmãos passam a morar com o tio Phillip. Nessa casa, uma simbólica “loja de brinquedos”, Melanie descobre que o tio manipula fantoches e as pessoas em sua volta.

Ao trazer a figura da heroína e sua jornada árdua para escapar do cruel tirano, bem como temas como a violência e o incesto, a autora se apropria de diversos padrões presentes em gêneros literários como o romance gótico, e em especial dos contos de fadas, algo com o qual ela continuou a trabalhar ao longo de sua carreira. A própria Carter afirma essa relação, definindo a obra como “um tipo de conto de fadas” (HAFFENDEN, 1985, p. 80). A maior parte de seu trabalho como editora e tradutora também envolveu a reinterpretação desses textos, reforçando a importância dessa relação para a compreensão de sua escrita.

Apesar de não ser formalmente um conto de fadas, The Magic Toyshop recupera vários elementos do gênero. A autora explora a oralidade por meio da figura do narrador, que é um contador de histórias. Sua voz se faz ouvida em jogos sonoros com as palavras, compartilhando, por vezes, o ponto de vista da protagonista. Aliterações e trocadilhos estão presentes. O resgate implica em uma escolha consciente, no intuito de formular um universo fictício no qual a linguagem esteja de acordo com sua perspectiva. Ao deliberadamente subverter certas convenções do gênero, Carter propõe um questionamento de imagens e histórias presentes em nossa sociedade e que formam a base dos paradigmas da cultura ocidental.

O insólito se faz presente principalmente na caracterização do espaço. A loja de brinquedos, como um universo em miniatura, constitui um ambiente de confinamento que as personagens, em especial as femininas, se veem obrigadas a deixar para conquistar sua autonomia. A ideia de simulacro é trazida com o intuito de apagar as fronteiras entre o real e o ilusório, representada por objetos como o quadro do cachorro e os pássaros. A descrição do local como uma caverna pouco iluminada, acentuada pelas cores escuras dos objetos, muitos deles pendurados nas paredes, antecipa o meio sombrio, sufocante, e sinaliza a problemática do romance. Ali, Melanie teria que assumir papéis nunca antes imaginados, tornando-se ela própria uma marionete nas mãos do tio.

Nesse espaço “mágico”, a violência é outro fator de destaque. No microcosmo controlado por Philip, as pessoas são reduzidas a objetos, representando o estado robótico ao qual os humanos são reduzidos por meio de repressão psíquica (PALMER, 1987). O enredo atinge um ponto crítico uando Melanie vive a experiência traumática ao participar da performance orquestrada pelo tio da história de Leda e o Cisne. A castração simbólica do Cisne, contudo, desencadeia uma rebelião que culminará no desfecho da trama.

Dentre os vários intertextos presentes, o caráter violento e manipulador evoca a figura de “Barba Azul”, de Charles Perrault. Apesar de retomar o tema da opressão, algo pelo qual a autora foi duramente criticada por estudiosos como Patricia Dunker, Avis Lewallen e Robert Clark, principalmente em relação aos primeiros romances, a alusão ao conto aponta para a análise cultural como um meio de conscientização da situação de violência. Será essa ação que permitirá às personagens um melhor entendimento do mundo no qual vivem para agir, tornando-se, assim, uma estratégia de sobrevivência.

De forma análoga, a autora aponta para outros textos, como o mito judaico-cristão de Adão e Eva. O jardim edênico, a nudez e a maçã vão compor o cenário que levam Melanie ao seu destino. William Blake, Lewis Carroll e John Keats também vão permear a obra. Conforme aponta Sage: “Ela escolheu a dedo seus pais literários, e com isto pretendia provocar a principal corrente emergente da escrita europeia” (SAGE, 1994, p. 29, tradução nossa).

Ao trazer à luz tais histórias, Angela Carter parece sugerir, enquanto leitora, o questionamento e a releitura crítica dessas narrativas, e propõe, enquanto escritora, a subversão e a possibilidade de recriação das mesmas, liberdade que lhe é trazida com o universo ficcional.

REFERÊNCIAS

CARTER, A. The Magic Toyshop. London: Virago, 1981.
HAFFENDEN, J. Angela Carter. In: HAFFENDEN, J. Novelists in Interview. London: Methuen, p. 76-96, 1985.
PALMER, P. From Coded mannequin to bird woman: Angela Carter’s magic flight. In: ROE, S. (Org). Women reading women’s writing. New York: Saint Martin’s Press, p. 179-205, 1987.
PERRAULT, C. Barba Azul. In: LOBATO, M. (Org.) Contos de fadas. 2.ed. São Paulo: Brasiliense, 1962.
SAGE, L. Angela Carter. Plymouth: Northcote House, The British Council, 1994.

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

RAPUCCI, Cleide Antonia. Mulher e deusa: a construção do feminino em Fireworks de Angela Carter. Maringá: Eduem, 2011.
RODRIGUES, Talita Annunciato. Confinamento e vastidão: a representação feminina e a subversão em The Magic Toyshop. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2012.