ARTHUR MACHEN – ficcionista

Shirley Carreira

Arthur Machen, cujo nome de batismo era Arthur Llewellyn Jones, nasceu em Caerleon onUsk, no País de Gales, em 03 de março de 1863. Filho do Reverendo John Edward Jones, um vigário anglicano, e de Janet Machen, Arthur Machen adotou o sobrenome da mãe quando se tornou escritor.

A região onde Machen cresceu, próxima das Black Mountains e da floresta de Wentwood, bela e inóspita, foi a fonte de inspiração para a sua obra, não apenas pela atmosfera misteriosa que evocava, mas, principalmente, pelas ruínas romanas, descobertas na década de 1870 por arqueólogos locais. Na época, foram encontradas esculturas pagãs e pedras com estranhas inscrições, bem como um templo do deus Nodens. Desde a infância, Machen acreditava que o lugar era habitado por forças estranhas e pagãs e, em sua autobiografia, intitulada Far off things (1922), ele escreveu: “quanto mais envelheço, mais firmemente estou convencido de que qualquer coisa que eu tenha conseguido na literatura se deve ao fato de que, quando meus olhos foram abertos pela primeira infância, tiveram diante de si a visão de uma terra encantada.”

Tendo recebido a educação padrão para um jovem de classe média e sem renda suficiente para ingressar em uma universidade, Machen mudou-se para Londres na década de 1880, em busca de uma oportunidade como jornalista. Seus primeiros anos na cidade foram marcados pela pobreza e, devido ao fato de morar em um subúrbio remoto, desenvolveu o hábito de explorar a vastidão da cidade a pé. Suas impressões revelavam uma cidade multifacetada, tão misteriosa como a região em que ele crescera. Após muitas tentativas, conseguiu um emprego como subeditor da revista Walford’s Antiquarian, e, em 1887, aos 24 anos casou-se com Amy Hogg, uma jovem ligada ao meio artístico.

Em 1890, após a publicação de algumas traduções e ficções escritas sob a forma de pastiche da literatura do século XVII, Machen decidiu desenvolver um estilo próprio. Decisão que resultou na publicação de uma série de pequenos textos em uma variedade de jornais e periódicos da época. Alguns desses textos, segundo os críticos, contêm elementos que remetem à ficção fantástica, outros, apropriam-se de temas góticos, dando-lhes nova roupagem. The Great God Pan, sua primeira obra de sucesso – em que o horror sobrenatural, o sexo e o paganismo se misturavam –, foi publicada em 1894. A ousadia dos seus textos fez com que se tornasse parte dos ‘naughty nineties‘, ou seja, do grupo de escritores e artistas que romperam com os padrões morais da época, como Oscar Wilde e Aubrey Beardsley, o ilustrador dos livros de Machen. Em 1895, publicou The Three Impostors, obra composta por treze histórias que giram em torno de eventos insólitos.

O julgamento e a condenação de Oscar Wilde, em 1895, suscitaram uma revolta pública contra os estetas, que foi agravada pelo lançamento de Degeneration, de Max Nordau, obra que continha graves acusações contra a influência maléfica dos artistas do decadentismo. Muito embora tenha produzido bastante entre 1895 e 1900, Arthur Machen optou por não publicar textos nesse período – provavelmente, por temer a associação do seu nome ao movimento decadentista –, retornando ao jornalismo. Algumas das suas mais importantes obras foram escritas nessa época, como The Hill of Dreams (1907), romance que aborda a vida de um jovem escritor galês que tem estranhas visões em uma antiga fortaleza romana, e The White People (1904), uma história de horror sobre um misterioso livro verde, que na verdade é o diário de uma jovem suicida e contém a narrativa de seus contatos com seres sobrenaturais.

A morte da esposa de Machen, de câncer, em 1899, teve um efeito devastador, e o apoio de amigos foi essencial para a sua recuperação. Entre eles, estava A. E. White, um famoso ocultista, que o convidou a fazer parte da Ordem Hermética da Golden Dawn, um grupo de magia ritual ao qual Yeats e Aleister Crowley eram também afiliados. Machen sempre rejeitara o materialismo e fora defensor dos valores místicos e espirituais, portanto, não se pode dizer que sua presença no grupo tenha sido determinante para alguns aspectos de sua escrita. Na realidade, Machen já vinha desenvolvendo um tipo de espiritualidade em que cristianismo e misticismo celta se misturavam. Nessa época, Machen começou a se distanciar dos temas pagãos que tinham caracterizado os textos do início da sua carreira. Assim como muitos autores associados ao decadentismo, Machen teve de se reinventar.

Em 1906 começou a frequentar o clube New Bohemianse a convite de Lord Alfred Douglas, ex-amante de Oscar Wilde, e passou a ser colaborador da revista The Academy, onde atuou de 1907 a 1912.

Em 1914, ganhou uma inesperada notoriedade ao publicar um conto intitulado The bowmen no periódico Evening Post, em que atribuia o recuo dos alemães na batalha de Mons à visão de fantasmas de arqueiros ingleses medievais, que os teriam assustado e impedido o massacre dos soldados ingleses, já em posição de desvantagem. Embora o texto fosse um relato ficcional, escrito para levantar o moral dos ingleses, ganhou estatuto de verdade e passou a ser reproduzido por vários combatentes que sobreviveram à batalha. Depois desse episódio, incentivado pelo jornal, publicou uma série de histórias curtas, fantasias de guerra, cujo sucesso de público levou-o a escrever The great return (1915) e The terror (1917).

A crença de que o poder imaginativo da religião, isto é, o ritual e o misticismo que a circundavam, seria o único modo de fazer frente ao materialismo científico e ao capitalismo permeou a sua produção literária tardia. Por essa época, seus primeiros textos tornaram-se famosos nos Estados Unidos, produzindo um maior reconhecimento no Reino Unido, o que resultou em uma publicação em larga escala na primeira metade da década de 1920. Entretanto, havia uma diferença entre o público leitor de suas obras: nos Estados Unidos, ele se compunha de acadêmicos, que o viam como um fenômeno avant-garde; na Inglaterra, seu público se resumia a um círculo de leitores antimaterialistas. Em 1925, Machen caiu no ostracismo e, embora continuasse a escrever, não obteve mais o sucesso de suas primeiras publicações. Em uma situação financeira instável, Machen contou com a ajuda de amigos, que o apoiaram até a sua morte, em 1947.

Em seu ensaio sobre o horror sobrenatural na literatura, H. P. Lovecraft (2008) dedica parte de um capítulo à obra de Arthur Machen, por quem nutria intensa admiração e a quem atribuía a capacidade de elaborar um “êxtase do medo” inalcançável aos outros escritores do gênero denominado “horror cósmico”.

REFERÊNCIAS

MACHEN, Arthur. Far off things. London: Martin Secker Ltd, 1922. Disponível em: https://www.gutenberg.org/files/35153/35153-h/35153-h.htm.

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

LOVECRAFT, Howard Phillips. O horror sobrenatural em literatura. Tradução de Mauro Paciornik. São Paulo: Iluminuras, 2008.
MACHEN, Arthur. The Great God Pan. Boston: Robert Brothers, 1894. Disponível em: https://archive.org/details/greatgodpanandin00machuoft/page/n7.
MACHEN, Arthur. The Three Impostors or the Transmutation. Boston: Robert Brothers, 1895. Disponível em: https://archive.org/details/threeimpostorsor00machuoft/ page/n6.
MACHEN, Arthur. The great return. The Camelot Project. University of Rochester, 1915. Disponível em: https://d.lib.rochester.edu/camelot/text/machen-great-return.
MACHEN, Arthur. The terror. A mystery. New York: Robert M. Mcbride & Company, 1917. Disponível em: http://www.gutenberg.org/files/35617/35617-h/35617-h.htm.
MACHEN, Arthur. The Hill of Dreams. New York: A. A. Knopf, 1922. Disponível em: https://archive.org/details/hillofdreams00machiala/page/n8.
MACHEN, Arthur. The bowmen. InThe Angels of Mons. The Bowmen and Other Legends of the War [1914]. Australia: University of Adelaide, 2014. Diponível em: https://ebooks.adelaide.edu.au/m/machen/arthur/angels-of-mons/chapter1.html.
MACHEN, Arthur. The White People [1904]. USA: Kizra Books, 2018.
THE FRIENDS OF ARTHUR MACHEN. Website. Disponível em: http://www.arthurmachen.org.uk/machbiog.html.
REYNOLDS, Aidan; CHARLTON, William. Arthur Machen. Oxford: Caermaen Books, 1988.
VALENTINE, Mark. Arthur Machen. Bridgend: Poetry Wales Press, 1995.