Heroes and Villains, publicado pela primeira vez em 1969, é o quarto livro da autora britânica Angela Carter. A narrativa, ambientada em um futuro distópico inserido no conceito de um universo insólito, é um romance de ficção científica dividido em sete partes. No mundo pós-apocalíptico, após uma guerra nuclear, a sociedade foi reorganizada em três grupos: “Professores”, “Bárbaros” e “Out People”. Marianne, a protagonista, é filha de um professor e vive presa pelo espaço cercado que protege a sua casta dos perigos externos de um mundo em recomeço. Os professores, detentores de todo o conhecimento restante do mundo que já existiu, são os governantes e vivem em comunidades protegidas pelos Soldados, que são os militares. Consideram-se guardiões do conhecimento, da arte e da cultura e têm a função de cultivar a memória das civilizações perdidas, contida principalmente em livros, dicionários e imagens.
O povo Bárbaro vive nas ruínas das cidades incendiadas, e os “Out People” são homens mutilados que vivem nas ruas. A divisão dos grupos ocorreu após a guerra apocalíptica, na qual os homens foram divididos em gêneros. As letras maiúsculas dos nomes dos grupos enfatizam a sua imutabilidade, pois eles são hereditários. O título do livro é explicado no início, quando crianças brincam de Soldados e Bárbaros. No jogo, os Soldados sempre vencem, o que simboliza a dominação dos Professores sobre o povo Bárbaro.
Este é um livro de identidade. A busca pelo espaço de vastidão é a maior subversão que a personagem, a nova mulher, busca da liberdade em um mundo em reconstrução. Segundo Aidan Day (1998, p. 55), Marianne, como uma nova Eva, pode construir um novo Éden, que se afasta das terríveis figuras paternas e da antiga mitologia misógina. O autor afirma que a identificação da razão, como um elemento necessário e supremo na concepção de uma ordem além do patriarcalismo, é realmente novo nesse romance. A ideia de razão como base de sua causa feminista é o elemento crucial que Carter usará como referência conceitual após Heroes and Villains.
A distopia futurista da autora leva consigo um passado desaparecido, a destruição do tempo. A protagonista tenta encontrar respostas sobre a condição humana e a mulher na sociedade patriarcal. O termo distopia é aplicado a uma obra que questiona ou satiriza qualquer utopia, ou que desmitifica representações de um cenário utópico. Em Heroes and Villains, Carter inicia sua obra em um mundo pós-guerra, onde não cabem utopias. O mundo que se conhece está destruído, e a partir dessa nova perspectiva, será questionada a sociedade que existiu e se construirá uma nova sociedade.
A obra como distopia feminista ilustra um patriarcado opressor em termos de gênero, evidenciando o que ocorre na sociedade moderna. Da mesma maneira, demonstra os desejos utópicos das mulheres. Em sua ficção, há uma desconstrução da opressão do patriarcado, já que a protagonista é a primeira heroína tipicamente carteriana saindo em busca do seu destino. Para Marianne, não existe diferença entre Professores e Bárbaros. Quando a protagonista rompe a separação das castas, o mundo distópico passa a ser questionado porque não é mais possível determinar de forma maniqueísta quem é o herói e quem é o vilão.
Carter criou a mulher do fim do mundo. Um novo sistema social que seria construído a partir da perspectiva da nova mulher que, em busca do seu lugar na sociedade, recusou-se a permanecer trancada em uma torre de “aço e concreto” dentro da sua casta e que será a reinvenção da figura bíblica Eva na construção de uma nova sociedade pós-apocalíptica.
REFERÊNCIAS
CARTER, Angela. Heroes and Villains. London: Penguim, 1981.
CARTER, Angela. Heróis e Bandidos. Tradução de Maria Adélia Melo. Lisboa: Caminho, 1992.
DAY, Aidan. Angela Carter: The rational glass. Manchester: Manchester University Press, 1998.
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
RAPUCCI, Cleide Antonia. Ficção especulativa e feminismo – o que querem essas mulheres? In: ESTEVES, Antonio R.; RAPUCCI, Cleide A. (Orgs). Vertentes do insólito e do fantástico: leituras. Rio de Janeiro: Dialogarts, 2017.
RAPUCCI, Cleide Antonia. Mulher e deusa: a construção do feminino em Fireworks de Angela Carter. Maringá: Eduem, 2011.