HENRY JAMES – ficcionista

Amândio Reis

Embora tenha nascido em Nova York em 1843, Henry James Jr. viveu maioritariamente na Europa, vindo a falecer em Inglaterra em 1916. Com efeito, as experiências de expatriação e de cosmopolitismo constituem um dos principais filões da obra do autor, identificado e abordado pela crítica como o “tema internacional”. Porém, além de remeter para um contexto e de configurar um problema histórico-literário tipicamente associados à narrativa realista e, sobretudo, aos grandes romances do estilo tardio ou da fase madura de James, o “tema internacional” parece também estar na base de boa parte da sua ficção de cunho sobrenatural e fantasmagórico. Na verdade, Julia Briggs chega a interpretar o trabalho de James enquanto autor de histórias de fantasmas como, precisamente, uma exploração deste tema, argumentando que “a ambiguidade do fantasma, esqueleto no armário ou mensageiro bem-vindo de um mundo já desaparecido, oferecia um contraponto exato à complexidade dos sentimentos que nutriam em relação ao seu novo ambiente” (1977, p. 112, tradução minha).

De facto, a ansiedade espácio-temporal de que fala Briggs assume, em James, diversas formas sobrenaturais, marcando sem dúvida o seu último romance, inacabado, intitulado justamente The sense of the past [O sentido do passado]. Este teria sido também o seu primeiro romance de cariz insólito (cuja vertente mais explícita James reservava para a narrativa breve), contando com uma viagem do herói ao passado, possibilitada por um antepassado cujo espírito habita um retrato (MILLER, 2005, p. 291). Contudo, vemos também a “sensação” e o “sentido” do passado plenamente expressos naquele que foi o seu último conto fantástico: “The jolly corner” [“A bela esquina”] (1908). Neste texto, sob um enredo centrado na figura do duplo, movem-se as peças do “tema internacional” de James, jogando-se em particular com os tópicos da herança e do património, do regresso a casa e à esfera familiar como experiência do unheimliche teorizado por Sigmund Freud, da vida não vivida, e das tensões entre a Europa artística e a América empreendedora.

“A bela esquina” pertence ainda, segundo a categorização de Leon Edel, biógrafo e organizador da primeira coletânea de narrativas fantásticas do autor, ao grupo de dez histórias “aparicionais” de Henry James, às quais podemos juntar outras oito histórias “não-aparicionais” (Edel, apud JAMES, 1963). Assim, muito embora os limites do fantástico Jamesiano, sempre vinculado a um registo naturalista que não cede à fantasia nem ao abertamente mágico, sejam difíceis de estabelecer, Edel reuniu em The ghostly tales of Henry James [Contos fantasmagóricos de Henry James] (1948), pela primeira vez, o corpus completo das obras de James nas quais podemos observar uma conexão explícita com motivos, cenários, figuras e outros marcadores genológicos associados ao campo do insólito.

A visão de conjunto que coleções como a de Edel propiciam sublinha, por um lado, a preponderância do fantasma como elemento temático e como fundador da ficção nas narrativas fantásticas de James, e, por outro lado, a evolução que, na obra do autor, o género sobrenatural sofreu, desde as primeiras tentativas de pendor mais Romântico ou tradicional — em 1868, com “The romance of certain old clothes” [“O romance de certas roupas velhas”] e “De Grey: a romance” [“De Grey: um romance] — à consolidação da história de fantasmas psicológica do fim do século XIX, da qual James é reconhecido como um dos principais criadores e promotores.

É precisamente neste último contexto, o do sobrenatural psicológico, que se insere “The turn of the screw” [“A volta do parafuso”] (1899), aquela que é certamente a mais conhecida novela de James, analisada, entre tantos outros, por Maurice Blanchot (1959, p. 191) e Tzvetan Todorov (1976, p. 111) como um dos mais significativos exemplos do “segredo” na literatura e na narrativa fantástica, uma vez que, dada a própria estrutura do texto, oferecido em primeira pessoa pela voz da protagonista sem nome dentro de uma moldura narrativa não confiável, esta novela gera o que tem sido entendido como uma ambiguidade irresolúvel entre a interpretação miraculosa dos acontecimentos, isto é, a existência dos fantasmas, e a interpretação médica, isto é, a loucura da heroína, possível histérica, concebida como mais um dos casos analisados pelo irmão do autor, William James, psicólogo e um dos fundadores da Society for Psychological Research (PONNAU, 1990, p. 306).

Muitas décadas depois, e após numerosas tentativas de estabilização que passaram pelas mais diversas explicações e teorias (p. ex., KROOK, 1967, p.370-389; BROOKS, 1995, p. 167; LUSTIG, 2010, p. 5), “A volta do parafuso” mantém o seu carácter esquivo e enigmático, afirmando-se como emblema do fantasmagórico Jamesiano enquanto problematização epistemológica do mundo, da mente, do próprio texto literário, e, enfim, das relações que estas três instâncias tecem entre si. Além disso, a sua dimensão impropriamente fantasmagórica e a sua resistência ao esclarecimento crítico parecem corroborar o princípio defendido por J. Hillis Miller de que “todas as histórias e todos os romances de James são histórias de fantasmas” (2005, p.299 – tradução minha), bem como a ideia de T.J. Lustig de que o fantasmagórico Jamesiano é essencialmente “incategorizável” e capaz, por isso, de “desafiar e suspender a classificação” e de “resvalar entre redes conceptuais e atravessar fronteiras categóricas” (2010, p. 6-7, tradução minha).

REFERÊNCIAS

BLANCHOT, Maurice. Le livre à venir. Paris: Gallimard, 1959.
BRIGGS, Julia. Night Visitors: The Rise and Fall of the English Ghost Story. Londres: Faber and Faber, 1977.
BROOKS, Peter. The Melodramatic Imagination: Balzac, Henry James, Melodrama, and the Mode of Excess. New Haven e Londres: Yale University Press, 1955.
JAMES, Henry. Ghostly Tales of Henry James. Leon Edel (Ed). Nova York: The Universal Library, 1963.
KROOK, Dorothea. The Ordeal of Consciousness in Henry James. Londres e Nova York: Cambridge University Press, 1967
LUSTIG, T. J. Henry James and the Ghostly. Cambridge: Cambridge University Press, 2010.
MILLER, J. Hillis. Literature as Conduct: Speech Acts in Henry James. Nova York: Fordham University Press, 2005.
PONNAU, Gwenhaël. La folie dans la littérature fantastique. Paris: CNRS, 1990.
TODOROV, Tzvetan. Introduction à la littérature fantastique. Paris: Éd. du Seuil, 1976.

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

BANTA, Martha. Henry James and the Occult: The Great Extension. Bloomington: Indiana University Press, 1973.
BELL, Millicent. Meaning in Henry James. Cambridge e Londres: Harvard University Press, 1991.
BROOKS, Peter. Realist Vision. New Haven e Londres: Yale University Press, 2005.
DESPOTOPOULOU, Anna, & Kimberly C. REED (Eds). Henry James and the Supernatural. Nova York: Palgrave Macmillan, 2011.
EDEL, Leon. Henry James: A Life. Londres: Flamingo, 1996.
FELMAN, Shoshana. Turning the Screw of Interpretation. Yale French Studies, n. 55/56, p. 94-207, 1977. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/2930436?seq=1#page_scan_tab_contents. Acesso em 13 out. 2019
JAMES, William. The Principles of Psychology. Cambridge: Harvard University Press, 2007.