FANTASMA

Alexander Meireles

Diferente do Lobisomem e do Vampiro, conectados ao universo do folclore e da ficção, a crença no Fantasma ainda nos dias de hoje em determinados círculos, encontra respaldo em decorrência da ancestral e perene angustia do ser humano sobre as dúvidas que cercam sua finitude. O primeiro registro do contato entre vivos e mortos remonta ao mais antigo texto literário da humanidade: o épico babilônico Gilgamesh (HALL, 2007), cuja datação inicial pertence ao século XVIII a.C. Na história, o semideus Gilgamesh lamenta a perda do amigo Enkidu após uma luta com o touro divino enviado pela deusa Ishtar. Em sua busca sobre o entendimento da morte, Gilgamesh encontra Utnapishtim, sobrevivente do grande dilúvio babilônico, que explica ao herói a inevitabilidade da morte humana e como a ingestão de uma planta pode lhe conceder a imortalidade. Ao fim da narrativa, Enkidu surge do reino dos mortos e descreve o mundo subterrâneo ao seu amigo guerreiro. Século depois, destaque na cultura clássica para as viagens ao mundo dos mortos nas quais os heróis se encontram com o espírito dos entes queridos. Neste sentido, o Canto XI da Odisséia (VIII a. C.), de Homero e o sexto livro da Eneida (I a. C.), de Virgílio são as histórias mais conhecidas (SCHMITT, 1999).

No primeiro, seguindo o conselho da feiticeira Circe sobre uma maneira de retornar ao seu reino após anos perdido no mar, o herói Ulisses viaja ao Hades, o reino dos mortos gregos, em busca de uma consulta com o sábio Tirésias. Lá, ele encontra o espírito do rei Agamenon, morto pela esposa, que adverte Ulisses sobre o perigo das mulheres. Na sequência o guerreiro se emociona ao encontrar o espírito de sua mãe, falecida de desgosto pela falta de notícias do herói. É Anticleia que informa ao filho a situação caótica em que se encontra sua casa devido a ausência do legítimo dono. Já na epopeia de Virgílio, após uma série de sonhos com seu falecido pai, o troiano Eneias consulta uma sacerdotisa que o auxilia a descer ao mundo dos mortos. No local, Eneias encontra vários espectros, incluindo o de sua amada Dido, que cometeu suicídio após ser abandonada pelo herói. Ainda no Hades, o fantasma do pai do troiano revela o destino glorioso de Eneias como fundador do Império Romano. Este recorrente tema da literatura ocidental, representado também pela mítica descida de Orfeu ao reino dos mortos em busca de sua amada Perséfone, ganhou variação séculos depois na Idade Média na forma das viagens espirituais. Estas visões do além eram empreendidas por alguns homens, em especial religiosos cristãos, que, ao se encontrarem enfermos ou a beira da morte, visitavam o mundo dos espíritos e retornavam para trazer o seu testemunho. Utilizadas como instrumento de pregação católica, o principal objetivo destas narrativas era apresentar aos vivos a geografia do outro mundo e os tormentos sofridos por aqueles afastados de Deus (e da ideologia da Igreja). Dentre as viagens mais conhecidas, se destacam a Visão de Fursy e a Visão de Drythelm, ambas contidas no Historia Eclesiastica Gentis Anglorum (731), do monge anglo-saxão Beda. Dignos de nota também são as obras do século XII Visão de Túndalo e O Tratado do Purgatório de São Patrício, que narram respectivamente como os cavaleiros Túndalo e Owein são agraciados por Deus em conhecer o destino das almas após a morte. As viagens imaginárias refletiram também a lenta e gradual construção, por parte do pensamento religioso medieval no período dos séculos V ao XV, dos lugares do além cristão – Inferno, Purgatório e Paraíso – e as contraditórias relações da Igreja com o tema do morto que surge diante dos vivos (SCHMITT, 1999).

Se por um lado era aceito que os santos e a própria Virgem Maria podiam sair do além para o mundo dos vivos, por serem “mortos especiais”, por outro lado, a doutrina dos lideres teológicos de então, notadamente a de Santo Agostinho, pregava que os mortos não poderiam voltar a terra. Nasce aqui a dúvida que persiste até a contemporaneidade sobre a natureza das aparições dos fantasmas como ilusões do diabo ou genuínas manifestações da alma dos mortos, algo expresso na peça Hamlet (1603), de William Shakespeare. Entra-se, assim, no domínio dos relatos das manifestações de espíritos que assombravam os vivos. As inquietações de pensadores e artistas da Idade Média sobre a verdadeira natureza dos fantasmas se refletiram na variedade de termos originados no mundo clássico e germânico que designam este ser. Em Língua Portuguesa, “fantasma” foi herdado diretamente da palavra anglo-francesa do século XIV fantosme, cuja raiz se encontra no latim phantasma (“fazer aparecer”, “revelar”), uma derivação do grego phantázein. Semelhante, então, ao sentido da palavra “monstro”, cuja origem se encontra no verbo latino monere (“avisar”, “mostrar”), o fantasma se coloca como um aviso sobre algo que foge a normalidade. Chama a atenção neste ponto o fato de que “fantasia” e “fantasma” possuírem a mesma origem em phantázein enquanto algo que não é real, que só existe na imaginação. Ao lado de phantasma e phantázein a proliferação de termos greco-romanos usados para designar as diversas classes de espíritos, algo notado nas obras homéricas e na epopeia de Virgílio, destacava a importância destas criaturas na Antiguidade. Na Ilíada (VIII a. C.), Homero narra como Aquiles foi visitado por um eidolon (“imagem”), ou seja, um fantasma que surge em sonhos. No caso do herói grego, o fantasma era do falecido amigo Pátroclo. Já em Roma, algumas classes de fantasmas faziam parte do cotidiano dos romanos, tais como os benignos manes, que possuíam altares nas residências e as funestas lemuria, cuja ira era apaziguada com o lançamento sobre o ombro esquerdo das favas negras (uma espécie de planta), consideradas o alimento dos mortos. Na Língua Inglesa a palavra ghost (“fantasma”), usada pela primeira vez nesta forma em 1606 (no inglês antigo o termo era gæstan), revela a dualidade destes espíritos, visto sua origem no alemão antigo (ghoidoz) significar “alma”, “espírito bom ou mau” ou “demônio” (PETZOLDT, 2000). A palavra ainda possui ligação com o sânscrito hedah (“fúria”). Ghoidoz também originou geist (“fantasma”, em alemão moderno). Digno de nota é o fato de que na Língua Alemã o espírito barulhento e inquieto recebe o nome de poltergeist.

A grande ambiguidade que cercava a existência dos fantasmas decorria do próprio entendimento do que era um espírito. Na mente popular animista do período, perfeitamente representada nas obras do século XVI De re metallica, do médico alemão Agricola e Liber de nymphis, sylphis, pygmaeis et salamandris et de caeteris spiritibus, do médico e ocultista alemão Paracelso, espíritos benignos e malignos variados habitavam as galerias subterrâneas, os córregos da floresta e os pântanos. Algumas destas criaturas se assemelhavam aos anões e as fadas das narrativas orais que posteriormente dariam origem aos contos de fada. Outras tomavam a forma de cães negros que assustavam os trabalhadores nas cercanias das aldeias, uma imagem presente no Cão dos Baskervilles (Hound of the Baskervilles) (1902), de Arthur Conan Doyle. Para Paracelso, estes seres eram intrinsecamente ligados aos quatro elementos da natureza: terra, fogo, ar e água. Desta forma, os fantasmas do folclore medieval tomavam a forma dos espíritos de rituais agrícolas, representados, por exemplo, no Homem Verde celta e na deusa germânica Bilwis. Quanto aos espíritos do mar, frequentemente estes eram avistados como marinheiros defuntos tripulando um navio fantasma, como ocorre na famosa lenda do Holandês Voador, amaldiçoado a navegar para sempre os mares do norte europeu devido a uma ofensa a Deus (THOMAS, 1991). Ecos desta lenda se encontram desde o século XIX no poema romântico inglês “A Canção do Velho Marinheiro” (“The Rime of the Ancient Mariner”) (1798), de Samuel Taylor Coleridge até os dias de hoje na série cinematográfica Piratas do Caribe. Lentamente, com a instituição do Purgatório e a disseminação de sua função como local de penitência dos mortos, a Igreja Católica medieval conseguiu atribuir uma significação moral a aparição dos espectros, integrando-os em uma perspectiva de salvação eterna. A situação, todavia, mudou radicalmente com a Reforma Protestante do início do século XVI e a afirmação dos reformistas de que os fantasmas eram disfarces do diabo, visto que as almas dos mortos apenas poderiam estar no Paraíso ou no Inferno.

Com o passar do tempo a crença nos fantasmas passou a ser um dos princípios que distinguiam católicos de protestantes. Posteriormente, no entanto, até alguns teólogos católicos também se tornaram céticos quanto à existência dos fantasmas, principalmente pelos escassos relatos sobre o tema na Bíblia. Neste ponto, destaque para o Livro dos Reis, que apresenta um legitimo relato de fantasma (1Rs, 28) na forma de um caso de necromancia, ou seja, de um processo de comunicação com os mortos visando a descoberta de eventos futuros. Protagonizado pela pitonisa de En Dor, o relato mostra como o rei Saul, sentindo-se abandonado por Deus, decide consultar a feiticeira sobre o destino de uma batalha a ser travada no dia seguinte contra os filisteus. Seguindo a vontade do monarca, a feiticeira invoca a aparição do fantasma do Rei Samuel, que informa a Saul que ele morrerá no dia seguinte. Sobre a aparição e a forma deste ser etéreo dentro da crença da época, nem todos os fantasmas se revelavam plenamente aos vivos. De acordo com vários testemunhos da época, incluindo o do imperador Carlos IV, os fantasmas podiam se manifestar apenas por meio de ruídos e vozes. Percebe-se, nestas situações, que a representação do espectro dependia do efeito causado sobre quem fazia o relato, o que resultou posteriormente em narrativas fragmentadas e subjetivas que colocavam em xeque a legitimidade de quem narrava. Ainda sobre as aparições, havia casos nos quais o fantasma só aparecia após o pedido do vivo ou em que ele permanecia invisível para alguns e visível para outros, o que geralmente indicava o caráter denunciatório do espírito. Inclui-se neste segundo campo o conto “A sombra” (1926), de Coelho Neto, em que um cientista é assombrado pela sombra da esposa assassinada, apenas visível para ele. Com relação a aparência, o fantasma geralmente apresentava os traços e a idade quando do falecimento da pessoa. Se o individuo morresse em decorrência de um ferimento, era comum que o fantasma apresentasse sangramento no local. Outra recorrente propriedade dos fantasmas, como explorado nos contos “A cadeira” (1908), de Veiga Miranda e “Kerfol” (1916), de Edith Wharton, era a capacidade dos espectros de se apresentarem como objetos ou animais, tais como cães, cavalos e pássaros. Chama a atenção também a vestimenta da aparição, visto que na cultura medieval ela também indicava a vinculação social do individuo (PETZOLDT, 2000). Isto quer dizer que se em vida o cavaleiro pertencia a alguma das ordens de cavaleiros estabelecidas, seu espectro deveria refletir este status revelando-se em plena armadura. Sobre essa crença, foi a partir do palco teatral e não do altar cristão que o fantasma sofreu sua secularização mais radical após o fim da Idade Média. Principalmente quando tratava dos espectros de cavaleiros e outros membros das abastadas classes sociais de seu tempo, o teatro renascentista inglês costumava representar os fantasmas como armaduras ruidosas que se movimentavam por um complicado sistema de roldanas e elevadores. Desta forma, conseguia-se evocar o senso de antiguidade que a imagem trazia. Esta situação perdurou até o século XIX, quando o fantasma na armadura se tornou um desgastado e dispendioso clichê, levando a inevitável morte artística deste personagem. No lugar do cavaleiro fantasmagórico surgiu a imagem do lençol flutuante como manifestação do fantasma (muito mais fácil de ser manipulado no palco). Possivelmente inspirado nas mortalhas que envolviam os corpos dos mortos, o lençol trouxe impessoalidade a esta figura ao mesmo tempo em que manteve o mistério e o temor despertado pela sua presença. Nascia assim a famosa imagem presente em desenhos animados, histórias em quadrinhos e outros produtos da cultura de massa de hoje. Rejeitados pela doutrina cristã como criaturas do sobrenatural que habitam a nossa realidade ameaçando a existência dos vivos, como o diabo e seus demônios, os fantasmas retornaram ao lugar primordial dos seres fantásticos: a imaginação humana.

Desde a Antiguidade as narrativas dos encontros entre os vivos e os espíritos dos mortos que deram origem aos contos de fantasmas se alicerçaram em um conjunto de objetos, motivos e características que remontam ao caso da casa assombrada, registrada por Plínio, o Jovem, em suas cartas dos anos 97 a 109 da era cristã. Considerado um dos primeiros registros do gênero, o relato do orador grego descreve a assombração de uma casa pelo espectro de um ancião, o que leva a residência a permanecer fechada a despeito de sucessivas tentativas de alugá-la ou vendê-la (HALL, 2007). Esta situação perdura até a chegada do filósofo Athenodorus, que consegue decifrar o mistério por trás da aparição; mistério este, de fato, que também explica a aparição assustadora narrada por Bernardo Guimarães em “Dança dos ossos” (1871). No entanto, o primeiro grande momento do fantasma literário ocorre na Inglaterra da virada dos séculos XVI para XVII através das peças Hamlet e Macbeth, ambas compostas por William Shakespeare no período. Baseada no Historia Danica of Saxo Grammaticus (1250), a conhecida tragédia do príncipe dinamarquês, Hamlet tem seu início na aparição do falecido rei ao seu amargurado filho Hamlet, quando revela que foi assassinado por seu próprio irmão – o atual regente Claudius. Um dos pontos centrais da trama é a dúvida do príncipe sobre a aparição: o fantasma trajado com a armadura real que clama por vingança é realmente o espírito de seu pai, ou o demônio disfarçado se aproveitando da melancolia do jovem nobre? Já Macbeth toma como base histórica a obra Chronicles (1577), de Holinshed e é ambientada na Escócia dilacerada por rebeliões e guerras. Na peça, o guerreiro Macbeth ouve a profecia de três feiticeiras de que ele será o próximo rei da Escócia. Aproveitando a ocasião em que o rei Duncan dorme em sua casa e instigado por Lady Macbeth, o guerreiro mata o rei, cumprindo assim a profecia das bruxas. Tomado pela ambição e paranoia, Macbeth mata também seu melhor amigo, Banquo, que retorna como um fantasma para assombrar a perturbada consciência do ilegítimo monarca. Shakespeare constrói suas aparições baseados nas ideias correntes sobre o tema e que ainda possuíam uma forte tradição popular no seu tempo. Assim, o fantasma de Banquo só é visível para o próprio Macbeth, enquanto que o espectro de Hamlet permite que apenas alguns consigam enxergá-lo. Alinhado com a visão de mundo herdada do medievo, na qual cada pessoa tem um lugar fixo na sociedade e que a subversão deste principio acarreta consequências, os fantasmas shakespearianos buscam vingança contra os vivos visando a restauração do status quo (SILVA, 2005). A famosa fala do personagem Marcelo ao se referir a aparição do fantasma do rei – “Há algo de podre no reino da Dinamarca” (Ato I, cena 4) (SHAKESPEARE, 2010) – evidencia a crença da época da forte conexão entre o rei e a terra, levando o sobrenatural a se manifestar contra a ilegitimidade de alguns regentes, como Claudius na Dinamarca e Macbeth na Escócia. Cabe destacar que a utilização do fantasma por Shakespeare evidenciava o alinhamento do dramaturgo inglês com a cultura popular dos séculos XVI e XVII, visto que os fantasmas estavam presentes em tradicionais baladas britânicas, em particular aquelas localizadas na turbulenta fronteira entre a Inglaterra e a Escócia. Canções deste tipo incluem “O Túmulo Inquieto” (“The Unquiet Grave”), “A Mulher de Usher’s Well” (“The Wife of Usher’s Well”) e “O Querido Fantasma de William” (“Sweet William’s Ghost”), que eram baseados no recorrente tema das crianças e amantes mortos cujos espíritos retornavam do Além devido à lamentação dos entes queridos vivos (THOMAS, 1991).

O século XVIII interpretou o fantasma à luz da racionalização emergente do Iluminismo. Inserido no mesmo contexto do nascimento da Enciclopédia na França, da invenção da vacina, da fundação de diferentes academias de ciência pela Europa e do início da Revolução Industrial na Inglaterra, o ser espectral foi tomado como o produto de uma visão de mundo retrograda e supersticiosa que precisava ser erradicada para o pleno desenvolvimento do homem. Pensadores como Voltaire e Rousseau atacaram a crença nos seres sobrenaturais que insistiam em se manifestar por meio de analises teológicas alemãs como De Masticatione Mortuorum in Tumulus Liber (1728), de Michaël Ranft, e Dissertatio Physica de Cadaveribus Sanguisugis (1732), de Johannes Christianus Stock, que estabeleciam uma relação entre os fantasmas e os vampiros folclóricos da Hungria, Romênia e região. No primeiro, discutia-se a impossibilidade dos vampiros assumirem forma física tangível para atacarem os humanos, enquanto que o segundo apontava o Diabo como fonte dos sonhos com os mortos-vivos. As duas obras, no entanto, logo foram suplantadas pelo trabalho Dissertations sur les Apparitions des Anges, des Démons e des Esprits, et sur les revenants, et Vampires de Hungrie, de Bohême, de Moravie, et de Silésie (1746), do monge beneditino Dom Augustin Calmet, cuja tentativa de desacreditar a existência do vampiro do leste europeu acabou por chamar a atenção dos artistas, dando início a fascinação da Literatura por este personagem (SILVA, 2010). Refletindo este contexto iluminista, o escritor e jornalista inglês Daniel Defoe apresenta uma interessante narrativa sobre fantasma que mantém a ambiguidade entre ficção e realidade, refletindo uma das características da emergente linguagem do novel inglês. O título do panfleto: “Um verdadeiro relato da aparição de uma senhora Veal no dia seguinte a sua morte a uma senhora Bargrave na Cantuária em 8 de setembro de 1705” (“A true relation of the apparition of one Mrs. Veal, the next day after her death: to one Mrs. Bargrave at Canterbury, the eighth of September, 1705”), dá a ideia da preocupação do escritor na construção da atmosfera de realidade desta história. No caso de “A aparição da senhora Veal”, publicado nesta coletânea, o autor de Robinson Crusoé (1719) alicerçou seu relato no folclore do fantasma que aparece para terminar uma tarefa inacabada no momento de sua morte. A rigidez estética da literatura do século XVIII provocou com o tempo o esgotamento de novas possibilidades artísticas, fomentando uma reavaliação da importância da imaginação para a arte.

Antes negligenciada a favor do racionalismo, o sobrenatural voltou a ocupar espaço na agenda de escritores, levando a uma retomada da Idade Média enquanto momento histórico capaz de fornecer a matéria prima necessária para uma renovação de diversas áreas da expressão humana pela sua associação com o paganismo e a superstição. Ao lado de outras figuras fantásticas do período, o fantasma mais uma vez levantaria das tumbas para assombrar os leitores do que viria a ser conhecido como Literatura Gótica. Nos anos da década de 1740 obras como Pensamentos noturnos (Night Thoughts,  1742-1745), de Edward Young, A cova (The Grave,  1743), de Robert Blair e Meditações sobre as tumbas (Meditations among the Tombs,  1745), de James Hervey estabeleceram o que ficaria nomeado posteriormente como Graveyard School (Escola do Cemitério). Os fantasmas ocuparam papel central nestes trabalhos poéticos pela evocação de uma atmosfera de escuridão e solidão cujo objetivo central era promover uma meditação sobre a mortalidade humana e advertir os sem religião para os horrores do mundo sobrenatural. Todavia, mais importante do que os temas tratados em plena era racionalista, a importância desta escola poética reside na influência exercida sobre a obra gênese do romance Gótico: O castelo de Otranto (The Castle of Otranto), de Horace Walpole (BOTTING, 1997). Neste cenário, ainda que o fantasma nesta obra tenha sido apenas mais um, dentre outros elementos utilizados pela primeira vez como recurso ficcional visando a construção da sobrenaturalidade, a estreita relação deste personagem com o mundo medieval, e a própria transitoriedade de seu ser dividido entre dois mundos marcou o fantasma a partir de O castelo de Otranto como um símbolo de decadência histórica, sempre surgindo para sinalizar a dissolução e subversão dos valores no ambiente de fim de século. Esta é de fato a situação em outro romance, este inacabado, em que o fantasma é parte importante da trama: The Ghost-Seer – From the Papers of the Count of O** (Der Geisterseher – Aus den Papieren der Markgräfin von O**) (1789), de Friedrich Schiller. Publicado na Alemanha no jornal Thalia ao longo dos anos 1787-1789, este trabalho foi reconhecidamente a primeira história de fantasma a impactar os escritores românticos ingleses pelos elementos típicos do seu tempo, ou seja, Necromância, Espiritualismo e conspirações. Reflexos deste romance podem ser sentidos nos poemas “A Canção do Velho Marinheiro” (1798) e “Christabel” (1816), de Samuel Taylor Coleridge. Apesar de desde a sua estreia em 1764 o fantasma ter se tornado uma das figuras mais icônicas da literatura gótica, apenas no século XIX ele conseguiu seu espaço independente na ficção da Inglaterra dentro do romance histórico Redgauntlet (1824), de Sir Walter Scott, e no nascente romantismo norte-americano de “A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça” (“The Legend of Sleepy Hollow”) (1820), de Washington Irving.

Em Scott, o fantasma apareceu em “A história de Willie, o vagabundo” (“Wandering Willie’s Tale”), como um conto independente inserido na trama de Redgauntlet e revisita a tradição clássica do deslocamento do vivo ao mundo dos mortos onde ele precisa recusar os convites dos mortos e demônios quanto ao consumo de alimentos e bebidas, o que em caso de aceite acarretaria na impossibilidade de sair do inferno. Este mesmo tema pode ser visto no Brasil nos contos populares nordestinos onde um violeiro arrogante é convidado pelo diabo, disfarçado como um elegante homem de terno branco, a tocar em um bar que se revela posteriormente como o inferno. Apenas a intervenção do espírito de um parente impede que o tocador consuma o que lhe é ofertado. “A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça”, por sua vez, revela a influência europeia nos primeiros momentos do Romantismo norte-americano, em especial, a busca de nacionalização de contos folclóricos da Alemanha, Inglaterra e Espanha por parte de Washington Irving. Na história, o supersticioso professor Ichabod Crane se estabelece na pequena Sleepy Hollow e acaba despertando o interesse de Katrina Van Tassel, uma bela jovem da sociedade local, e o ciúme de Abraham “Brom Bones” van Brunt, longamente interessado em Katrina. Durante uma viagem Crane é atacado pelo lendário Cavaleiro sem Cabeça, o fantasma de um cavaleiro hesseno (germânico) que foi decapitado por uma bala de canhão durante a Guerra da Revolução Americana (1775-1783). Abalado pela aparição, Crane desaparece e ao final do conto Irving mantém a dúvida se a aparição foi real ou apenas um embuste tramado por Brom Bones. E assim, em meio a crescente participação em histórias sobrenaturais, o fantasma literário chegou aos anos de 1840, dando início na Inglaterra a era de ouro do Conto de Fantasma. Símbolo da reflexão do Realismo sobre o conceito do real, arauto do clima decadentista finissecular, metáfora do reprimido em uma época de ascensão dos estudos sobre o inconsciente, ícone da tradição histórica frente ao galopante progresso industrial e agente de denuncia social, o fantasma literário na Inglaterra vitoriana (1837-1901) e eduardiana (1901-1918) se mostrou um versátil personagem a serviço dos interesses de vários escritores. Neste processo, a proliferação das narrativas literárias centradas em fantasmas ao longo das décadas de 1840 a 1920 fomentou a constituição de um subgênero próprio dentro da literatura gótica que ficaria conhecida como “Conto de Fantasma”. Um breve passeio pelas mais relevantes obras do conto de fantasma começa, no entanto, não na Inglaterra, mas na Irlanda de Sheridan Le Fanu. Conhecido hoje principalmente entre os críticos e leitores da literatura vampiresca como o autor da novela Carmilla (1872), que influenciou diretamente Bram Stoker na elaboração de Drácula (1897), Le Fanu foi resgatado do ostracismo literário no início do século XX pelo também escritor de contos de fantasmas M. R. James. Esta redescoberta trouxe à luz um escritor fascinado desde a infância pelo ocultismo, pela demonologia e pelo fenômeno psíquico que aprofundou vários temas do gótico, dentre os quais, além do vampirismo em Carmilla, o do mistério do quarto fechado e da superstição religiosa em Uncle Silas (1864), do cientista maluco em Checkmate (1870) e o da insanidade em The Rose and the Key (1871).

Especificamente sobre o fantasma, a figura mais recorrente em sua literatura sobrenatural, Le Fanu incorporou o folclore irlandês na criação de atmosferas tensas em que a trama é encadeada sutilmente, resultando em contos como o de sua estreia literária – “The Ghost and the Bone-Setter” (1838) – ou de fim de carreira, como “The Haunted Baronet” (1870). Como mencionado anteriormente, a utilização do fantasma ao longo de toda a obra de Sheridan Le Fanu e em alguns contos de Bram Stoker foi indicativo da presença constante deste personagem em diferentes contextos da literatura do Reino Unido. Em 1847, por exemplo, o fantasma serviu de suporte para Emily Brontë descrever no romance O Morro dos Ventos Uivantes (Wuthering Heights), as consequências do conflito entre os desejos individuais e o dever as normas sociais na Inglaterra vitoriana por trás da perturbadora história de amor e ódio que atravessou gerações iniciada pelo envolvimento do cigano Heathcliff com a impulsiva Catherine Earnshaw. Nesta mesma época, Charles Dickens já se destacava como um dos maiores romancistas do cenário literário inglês pela sua denuncia das diferenças sociais dentro do país. Seja representada pela fantasmagórica dama de branca Miss Havisham que atormenta a vida do órfão Pip no romance Grandes Expectativas (Great Expectations,  1861), ou, de forma mais direta, pelos espíritos do passado, presente e futuro que surgem para assombrar Ebenezer Scrooge na clássica fabula natalina Um Conto de Natal (A Christmas Carol,  1843), o ser fantasmagórico surge em Dickens como o símbolo do descaso da nação mais rica e poderosa da segunda metade do século XIX com os desfavorecidos e marginalizados pela Revolução Industrial. Ainda neste contexto, Dickens aproveitou a atmosfera da decadente Londres para resgatar convenções do gótico do século XVIII na criação de vários contos de fantasmas, dentre os quais se destacam “O sinaleiro” (“The Signalman”,  1866) e “A casa assombrada” (“The Haunted House”,  1859), este último escrito em conjunto com outros escritores do período. Após Dickens, o fantasma novamente se transformou, desta vez para se adaptar ao complexo momento finissecular na Inglaterra e nos Estados Unidos com o choque entre culturas diversas, fossem estas relacionadas a questões colonialistas, artísticas, sexuais ou psicológicas como pode ser constatado em “O riquixá fantasma” (“The Phantom Rickshaw”,  1885), de Rudyard Kipling, “O fantasma de Canterville” (“The Canterville Ghost”,  1887), de Oscar Wilde, “O papel de parede amarelo” (“The Yellow Wallpaper”,  1892), de Charlotte Perkins Gilman e A volta do parafuso (The Turn of the Screw,  1898), de Henry James e “Toque de pesadelo” (“Nightmare Touch”,  1900), de Lafcadio Hearn. A trajetória do conto de fantasma até a segunda década do século XX começou pelas histórias do mais representativo escritor do gênero no período: Montague Rhodes James (HUGHES, 1998). Através deste medievalista inglês, editor de livros como Ghost Stories of an Antiquary (1904), More Ghost Stories of an Antiquary (1911), A Thin Ghost and Others (1919) e da enciclopédica Collected Ghost Stories of M. R. James (1931), o fantasma retomou sua forma popular como uma inequívoca manifestação, na maioria das vezes maligna, do Além, imagem que permanece até hoje graças a M. R. James, como era popularmente conhecido. Em uma época marcada pela dissolução das crenças e valores, o fantasma de James se coloca paradoxalmente como um sólido símbolo de outro tempo marcado por claras divisões entre o bem e o mal. Antecipando o uso de objetos e lugares do cotidiano que se tornou marca registrada do mestre norte-americano do horror moderno Stephen King, M. R. James situou suas narrativas em lugares comuns – estações de trem, jardins, bibliotecas e casas de campo – construindo suas tramas com detalhes minuciosos e a presença da tradição oral medieval, fonte. aliás, de onde ele retirou a maior parte de suas histórias sobrenaturais. Os numerosos contos de fantasmas escritos ou editados por M. R. James em suas coletâneas chamam a atenção para a enorme produção literária do gênero nos anos de virada do século XIX para o XX. Quase todos os escritores do período vitoriano e eduardiano, principalmente na Inglaterra e nos Estados Unidos se aventuraram pelos domínios deste ser sobrenatural, contribuindo em maior ou menor grau para o estabelecimento, renovação, releitura ou desgaste de suas convenções e estratégias narrativas. Sobre a estrutura de um Conto de Fantasma, o escritor Gene Wolfe, conforme citado por Melissa Mia Hall em Icons of Horror and the Supernatural (2007), considera como fundamentais a presença dos seguintes elementos:

  1. Atmosfera;
  2. Espaço (uma casa velha, um navio abandonado, etc.);
  3. Um personagem central crível e interessante;
  4. Uma história eventos passados;
  5. Uma razão para as atividades do fantasma.

Nos Estados Unidos, por exemplo, o cinismo e a mordacidade de Ambrose Bierce, traduzidas em obras cujos personagens se tornaram vítimas de erros de interpretação dos fatos ao seu redor, produziram em “A estrada enluarada” (“The Moonlit Road”,  1907), um conto inovador ao propor três narradores para a mesma história, sendo um deles o próprio fantasma da mulher que se mostra tão ignorante dos eventos sobre sua existência quanto seu marido e filho. A utilização de temas pouco explorados pela literatura de fantasmas na Inglaterra também se faz sentir em “O fantasma da boneca” (“The Doll’s Ghost”,  1911), do norte-americano Francis Marion Crawford; um dos raros contos em que o fantasma assume a forma de um objeto do cotidiano, no caso aqui, uma boneca. Destaque também para a escritora Edith Wharton, conhecida pela sua fina ironia contra os valores da alta sociedade americana no ambiente pré-Primeira Guerra Mundial, como expresso no conto “Kerfol” (1916), onde ela faz uso da moradia amaldiçoada, do livro antigo com a história da casa, e dos fantasmas que assumem a forma de animais, dentre outras imagens do gótico, para descrever o processo de marginalização de uma mulher pelo patriarcado. No Brasil, por sua vez o fantasma está presente no imaginário popular nacional de forma difusa como cruzamento de reminiscências do folclore português, relatos de escravos afro-brasileiros sobre os castigos no cativeiro e o próprio diálogo estabelecido com a tradição literária anglo-americana. O fantasma surgiu na Literatura Brasileira no Romantismo, momento em que o interesse pelo nacional se encontrou com o fascínio pelo sobrenatural. Coube a Bernardo Guimarães, autor de Escrava Isaura (1875), o mérito de ser um dos primeiros escritores a introduzir o conto de fantasma em nossa ficção curta por meio de “A dança dos ossos” (1871), publicado na obra Lendas e Romances. Ainda dentro do ambiente rural, já no momento de transição entre o Naturalismo e a prosa simbolista de fins do século XIX para o Regionalismo do Pré-Modernismo dos primeiros anos do século XX, “A praga” (1896), de Coelho Neto e “Assombramento” (1898), de Afonso Arinos se constituíram como excelentes exemplos. Em “A praga”, publicado no volume de contos Sertão (1896), o espírito vingativo de uma mãe espancada pelo filho surge para perseguir o seu assassino levando-o a se afogar no mesmo pântano da genitora. Já em “Assombramento”, publicado na obra Pelo Sertão, Afonso Arinos faz uso do recorrente tema dos contos populares sobre o tesouro encantado para nacionalizar a convenção gótica da casa assombrada. O meio rural também se colocou como elemento constituidor do fantástico em “A Rita do Vigário” (1912), de Viriato Corrêa, onde o fantasma da personagem título não encontrou descanso após a morte devido ao esconjuro de um padre, outrora amante de Rita. Em decorrência desta maldição, além da forma humana a mulher aparece também como mula sem cabeça. No meio urbano, o conto de fantasma brasileiro dialogou com a literatura europeia de olho nas questões nacionais vigentes. Assim, como o leitor poderá conferir em “O impenitente” (1893), de Aluísio Azevedo, a abordagem do clero pelo escritor de O cortiço (1890), era sintomática da crítica presente em alguns círculos intelectuais do status da Igreja como uma instituição corrupta e atrasada em uma era em que o Brasil positivista se voltava para a modernização. Semelhante ao seu romance-folhetim A mortalha de Alzira (1891), que por sua vez dialoga com “A morta amorosa” (1836), do francês Théophile Gautier, “O impenitente” mostra um padre que não consegue superar o ardente desejo que nutre por uma bela dama. No entanto, diferente do conto de Gautier, um clássico da literatura de vampiros, a figura sobrenatural aqui é o fantasma da amante do padre, que vem a noite buscá-lo para lhe mostrar que ela realmente morreu. Ainda no fim do século XIX e também abordando o sofrimento do amor perdido como causador da aparição fantasmagórica, um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, Magalhães de Azeredo, escreveu “De Além-túmulo” (1895), sobre um rapaz que recebe a visita de um fantasma saudoso de seu amor.

Os primeiros anos do século XX trouxeram o fantasma como uma das expressões dos também evanescentes limites entre o Simbolismo e o Decadentismo no meio nacional. Neste terreno, “Confirmação” e “Ciúme Póstumo”, ambos publicados na coletânea de contos Horto de mágoas (1914), de Gonzaga Duque, exemplificaram a visão mística atribuída a mulher dentro da prosa simbolista a partir de duas narrativas que mostram os efeitos da sutil presença (ou não) de um fantasma feminino sobre os sentidos dos personagens. Ainda dentro deste breve panorama das relevantes produções sobre fantasmas entre as décadas de 1840 a 1920, “Noturno n.° 13” (1920), de Gastão Cruls, “Os três círios do triângulo da morte” (1922), de Moacir de Abreu e “A sombra” (1926), de Coelho Neto vieram demonstrar a persistência do fantástico anglo-americano na Literatura Brasileira mesmo durante a revolução cultural promovida pelo Modernismo. Publicado originalmente em Coivara (1920), “Noturno n.° 13” tem como ambientação o tradicional espaço da casa assombrada para onde um homem retorna anos depois da morte da esposa quando do nascimento da filha do casal. Chegando ao local, ele é informado pelos empregados de que durante a madrugada o piano da antiga residência toca sozinho. Na mesma noite e na seguinte, respectivamente o marido e o cunhado ouvem o Noturno nº 13 de Chopin – música preferida da esposa morta. Ao chegar à janela depois de ser acordado pelo som do piano, o irmão da falecida, narrador dos eventos, vê seu amigo de mãos dadas com um vulto de formas femininas desaparecerem no infinito. Já em “Os três círios do triângulo da morte” e “A sombra” não apenas revelam a persistente influência do norte-americano Edgar Allan Poe sobre a ficção brasileira da década de vinte, mas também permitem entender o processo de marginalização do fantástico no cenário nacional com o Modernismo. No primeiro conto, a morte da esposa leva um homem a se envolver em um macabro ritual com o propósito de reencontrar sua amada. Já a narrativa de Coelho Neto mostra como o cientista Avellar, após envenenar a esposa, passa a sofrer a perseguição da sombra da falecida. Nos dois casos percebe-se como o Espiritismo, doutrina religiosa de origem francesa que trata da natureza, origem, destino dos espíritos e suas relações com o mundo corpóreo foi incorporado pela literatura sobrenatural brasileira, se mesclando a herança simbolista do início do século (SILVA, 2008). De fato, foi justamente em decorrência da clara vinculação e persistência da estética naturalista e simbolista em suas obras que tanto Moacir de Abreu quanto Coelho Neto foram, semelhante aos fantasmas que habitaram suas obras, considerados pelo movimento modernista como símbolos de um passado que precisava ser esquecido. Esta mudança de contexto cultural foi particularmente percebida na América entre as décadas de 1940 e 1960, quando alienígenas, robôs e mutantes foram alçados como os principais personagens sobrenaturais utilizados para abordar o medo de uma hecatombe nuclear e a paranoia contra comunistas que ameaçavam o american-way-of-life.

Duas obras neste período, todavia, marcaram o gênero. No contexto sul-americano, e em alinhamento com seu contexto, Cem anos de solidão (1967), de Gabriel Gárcia Márquez e A assombração da casa da colina (The Haunting of Hill House) (1959), da norte-americana Shirley Jackson. O retorno do fantasma aos domínios do macabro empreendido por A assombração da casa da colina apontou a mudança ocorrida a partir da década de 1970, e vigente até hoje, da representação deste personagem como um ser que pode infringir violência física as suas vitimas. Exemplo deste ponto é A casa infernal (Hell House) (1971), de Richard Matherson, romance cujo enredo muito se assemelha a obra de Shirley Jackson, mas que se diferencia deste de forma marcante pela descrição de perturbadoras cenas de violência e imagens de conotação sexual. Em fins dos setenta, O Iluminado (The Shining) (1977), de Stephen King também abordou os efeitos de uma casa assombrada sobre os que nela ousam adentrar ao passo que em Amada (Beloved,  1987), da escritora afro-americana Toni Morrison, o fantasma é usado para discutir o impacto do legado da escravidão sobre gerações de afro-americanos. No século XXI, destaque para o tratamento do tema dado por escritores norte-americanos como Peter Straub (Lost boy lost girl,  2003) e Tananarive Due (Joplin’s Ghost,  2005).

REFERÊNCIAS

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HALL, Melissa Mia. Ghost. In: JOSHI, S. T (Ed). Icons of Horror and the Supernatural: An encyclopedia of our worst nightmares, 1 & 2. Westport: Greenwood Press, p. 215-242, 2007.
PETZOLDT, Leander. Spirits and Ghosts. In: LINDAHL, Carl; MCNAMARA, John; LINDOW, John. Medieval folklore: a guide to myths, legends, tales, beliefs, and customs. New York: Oxford University Press, p. 392-393, 2000.
SCHMITT, Jean-Claude. Os vivos e os mortos na sociedade medieval. Tradução de Maria Lucia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
SHAKESPEARE, William. O primeiro Hamlet: In: quarto de 1603. Tradução de José Roberto O’Shea. São Paulo: Editora Hedra, 2010.
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SILVA, Alexander Meireles da. O admirável mundo novo da República Velha: O nascimento da ficção científica brasileira no começo do século XX. Tese (Doutorado em Literatura Comparada). Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008. Disponível em: https://goo.gl/Au75GN. Acesso em 02 mar 2019.
SILVA, Alexander Meireles da. Introdução. In: COSTA, Bruno (Ed). Contos clássicos de vampiro: Byron, Stoker e outros.  Tradução de Marta Chiarelli. São Paulo: Hedra, p.9-40, 2010.
THOMAS, Keith. Religião e o declínio da magia: crenças populares na Inglaterra, século XVI e XVII. Tradução de Denise Bottmann e Tomás Rosa Bueno. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

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DELUMEAU, Jean. História do medo no ocidente. Maria Lucia Machado (Trad.). São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
KING, Stephen. Dança macabra: o fenômeno do horror no cinema, na literatura e na televisão dissecado pelo mestre do gênero. Tradução de Louisa Ibañez. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2003.
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SNODGRASS, Mary Ellen. Encyclopedia of Gothic Literature. New York: Facts On File, Inc, 2005.