CHARLES PERRAULT – ficcionista

Sylvia Maria Trusen

PEERAULT, Charles, filho caçula de quatro irmãos do casamento de Paquette Leclerc e de Pierre Perrault, advogado do Parlamento de Paris, nasceu nesta cidade, no dia 12 de janeiro de 1628, e faleceu no ano de 1703. Veio ao mundo poucas horas após seu irmão gêmeo, batizado François, falecido seis meses após o nascimento (MAGNIEN, 1990). Os primeiros anos de sua instrução foram em casa. Alfabetizado por sua mãe até os oito anos, passou a frequentar o Collège Beauvois, juntamente com seus irmãos. O pai, por sua vez, acompanhava de perto o aprendizado do filho mais novo. Aluno aplicado, a crer nas linhas de suas Mémoires, demonstrou desde os primeiros anos interesse intenso pela poesia, pela filosofia e acentuado espírito de independência sustentado desde sempre pelos progenitores. (PERRAULT, 1842, p. 3). O apoio familiar proporcionou, desde a adolescência, o autodidatismo realizado em casa juntamente com o amigo Beaurain, durante quatro anos, período ao longo do qual leu os clássicos e se aplicou ao domínio da arte da tradução. (MAGNIEN, 1990). 

Assim é que, em torno de 1650, traduziram (Perrault e Beaurain), o VI livro da Eneida e compuseram o Les Murs de Troye, ou de l’origine du burlesque, seguindo assim o gosto em voga pela prosa burlesca. Três anos depois, publicou a tradução do canto 1 Eneida e, em 1659, escreveu os primeiros versos galantes (Portraits d’Iris) seguido do De l’amour et de l’amitié (1661) e do Le miroir ou la métamorphose d’Oronte. Assim, se a biografia do autor salienta a erudição, o gosto e o elo da família em torno do estudo – quase todos os irmãos escreveram e publicaram textos em diferentes domínios -, o relato da formação intelectual de Perrault sugere o início do preparo intelectual, necessário ao debate que anos depois iria travar.

Em 1663, iniciou sua carreira oficial a serviço de Colbert, na corte de Luis XIV, ministro que apoiou sua candidatura para a Academia Francesa, em 1671. No ano seguinte, em 1 de maio de 1672, casou-se com Marie Guichon, com quem teve quatro filhos.

É, porém, pouco tempo após o declínio, em função da idade avançada do ministro Colbert e o consequente afastamento de Perrault da função de superintendente, que o escritor se engaja no episódio conhecido por Querela dos Antigos e dos Modernos (Querelle des Anciens et des Modernes), polêmica central não apenas para a história literária francesa, mas para a recepção do maravilhoso na cultura moderna.

Para entreter-se ao longo do retiro, ele compõe o poema Saint Paulin, publicado em 1686, dirigido aos novos convertidos, uma ode na qual aprova a revogação do Edito de Nantes, e, em 27 de janeiro de 1687 dá a ler na Academia, por seu amigo, o abade Lavau, o pequeno poema O Século de Luís, o Grande (Le Siècle de Louis, le Grand). ‘Boieleau, após haver resmungado muito tempo em voz baixa, levantou-se na Academia, e disse que era uma vergonha que se fizesse uma tal leitura que ofendia os maiores homens da Antiguidade. (PERRAULT, apud MAGNIEN, C., 1990)

Perrault manteve-se firme na disputa travada com os Antigos, defensores da antiguidade greco-romana, e lançou em agosto de 1687 uma epístola ao rei, acentuando as benesses trazidas pelo monarca; no ano seguinte, publicou a peça em versos Le Génie, escrita no mesmo tom e, por fim, no mesmo ano, o primeiro dos quatro volumes da obra Paralèlle des Anciens et des Modernes (Paralelos dos Antigos e Modernos), saída entre 1688 e 1697.

Este foi o terreno ao longo do qual germinou a elaboração da obra que tornou célebre o nome de Perrault para a literatura do maravilhoso, ou dos contos de fadas, História ou contos do tempo passado com moralidades. Contos da mamãe Gansa (Histoires ou contes du temps passé, avec les moralités. Contes de ma mère Loye), aparecida com dedicatória à neta de Luís XIV, e assinada pelo filho de Perrault (Pierre Perrault d’Armancour), fato que tem provocado não poucas discussões em sua fortuna crítica (COELHO, 1982).

A obra, saída em 1697 pela casa editora Claude Barbin, compreendia inicialmente oito narrativas e, somente após a terceira edição incluiu outras composições em versos (La Marquise de Salusse ou la Patience de Griselidis, [Griselidis] lida na Academia em 1691, Les souhaits ridicules, 1693 [Os desejos ridículos], e Peau d’âne, 1694 [Pele de Asno]). De modo geral, constituiu a adaptação para o gosto da corte de um número seleto de contos a partir de matéria da tradição popular enraizada no maravilhoso, ou conto de fadas, tradução para o português por contaminação do francês contes de fées. (COELHO, 1982). Os oito contos em versos, contendo moralidades, visavam edificar e entreter as jovens damas dos salões de Luís XIV.

Já os oito contos que compõem a obra Histórias ou contos do tempo antigo, com moralidades são escritos de modo bastante prosaico (evocando suas origens na literatura oral popular), e apresentam separadamente, após o final da história, uma ou duas moralidades em verso. Esses contos estão inseridos no projeto do autor de instruir e divertir ao mesmo tempo, especialmente as jovens damas da corte, seu público preferencial. (OLIVEIRA, 2019, p. 2)

A obra correu mundo, celebrizando o nome de seu autor e repercutindo na confecção de outras coletâneas, como a organizada por Jacob Grimm e Wilhelm Grimm, bem como em sucessivas e, por vezes, bem sucedidas adaptações para a literatura infantil e para o cinema.

Após haver redigido, em 1699, suas Memórias da minha vida (Mémoires de ma vie) dedicadas a seus filhos, e publicado, neste mesmo ano, as traduções das Fábulas de Faerne (Fable de Faerne) – coletânea de fábulas italianas célebres entre os pedagogos de seu tempo -, Perrault faleceu na noite de 15 para 16 de maio, em sua residência.

REFERÊNCIAS

COELHO, Nelly Novaes. A literatura infantil: história, teoria, análise. São Paulo: Quiron/Global, 1982.
MAGNIEN, Catherine. Introduction. In: PERRAULT, Charles. Contes: contes en vers, contes en prose. Paris: Librairie Générale Française, p. 05-55 (livre de poche), 1990.
OLIVEIRA, Anna Olga Prudente de. As moralidades dos contos de Charles Perrault: uma análise de poemas inseridos na escrita do autor francês e nas reescritas de Mário Laranjeira, Ivone Benedetti e Katia Canton, 2019. Disponível em: http://www.abralic.org.br/anais/arquivos/2015_1455908880.pdf. Acesso em 29 maio. 2019.
PERRAULT, Charles. Mémoires, contes et autres oeuvres de Charles Perrault. Paris: Librairie de Charles Gosselin, 1842. Disponível em: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k8630600z/f1.image.texteImage. Acesso em 29 maio. 2019.

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

DARNTON, Robert. Histórias que os camponeses contam: o significado de Mamãe Ganso. In: DARNTON, Robert. O grande massacre de gatos, e outros episódios da história cultural francesa. 2. ed. Tradução Sonia Coutinho. Rio de Janeiro: Graal, p. 21-102, 1986.
MICHELLI, Regina. Barba Azul, histórias de ontem e de hoje. Revista Araticum, v. 14, n. 2, p. 73-84. 2016. Disponível em: http://www.revistaaraticum.unimontes.br/index.php/araticum/article/view/274/245. Acesso em 29 maio. 2019.
ZIPES, Jack. Les contes de fées et l’art de la subversions. Paris: Ed. Payot & Rivages, 2007.