ROMANCE GÓTICO

Ana Sofia Louro

O Romance Gótico foi descrito por Montague Summers (1880-1948) como um romance de escape que permite ao leitor afastar-se dos problemas e das tristezas da vida real (1938, p. 12). Foi e é um dos géneros literários mais influentes, celebrizando, numa fase inicial, autores como Horace Walpole (1717-1797), Ann Radcliffe (1764-1823) e Matthew Lewis (1775-1818).

Aquando do seu surgimento, o Romance Gótico foi considerado transgressivo e pouco sério, e o termo gótico foi utilizado depreciativamente como oposição ao estilo clássico e como marca de desprestigio. O género foi dito ambíguo, reacionário e revolucionário, tendo sido um reflexo cultural de medos e de desejos. O termo começou a ser aplicado à literatura por escritores dos séculos XVII e XVIII, quando o conceito de gótico  começou a se associar a uma atitude de resistência social, adquirindo importância cultural ao permitir aos leitores explorar desejos privados e ansiedades numa fantasia coletiva (GAMER, 2000, p. 45).

A literatura gótica per se adquiriu proeminência durante a Revolução Francesa,  em consequência do que  consideraram ser excessos que permitiram alimentar uma literatura de terror, a qual procurou quebrar laços entre o presente e o passado. As narrativas góticas foram consideradas produto do medo e da ansiedade e tentativas de explicar o que estava por explicar, e de recuperar o passado (BOTTING, 1906, p. 23). Outrossim, o Romance Gótico procurou também o respaldo da verossimilhança e uma relação com a filosofia, algo justificado por ter surgido numa época de premente apelo à razão (PUNTER, 1996, p.  40).

Sobre o Romance Gótico, Maggie Kilgour sintetizou: “The form is itself a Frankenstein monster, assembled out of the bits and pieces of the past.” (1995, p. 4) De facto, o Romance Gótico é uma fórmula híbrida, com origem e inspiração em géneros e tradições diferentes entre si como, por exemplo, a comédia, a tragédia, baladas e contos de fadas, as tradições celtas, os folclores alemão e inglês, dramas Renascentistas,  narrativas confessionais e os romances sentimentais e pitorescos.

Não obstante, tal ficção foi-se paulatinamente especificando e, consequentemente, fomentou e fidelizou um público concreto. Procurando conservar tal público, as narrativas sofreram poucas variações e os seus elementos e convenções fixaram-se numa premissa pouco variável. A ação exibia uma heroína bela e inocente, um herói ideal e um vilão demoníaco, numa narrativa localizada num edifício antigo num sul europeu católico em que vigoravam práticas medievais. As narrativas, aberta e reconhecidamente subversivas, recorriam ao sublime e ao sobrenatural e narravam viagens físicas e espirituais, abordando inseguranças sociais através da inclusão de violência, obscuridade e morte,  explorando a sensação de medo numa atmosfera de mistério. Demais, o Romance Gótico favoreceu uma idealização do passado que satisfez necessidades do presente ao desconstruir o que se considerava o individualismo moderno e, por isso, serviu amiúde como alegoria social: os crimes expressavam ansiedade, a aristocracia surgia corrupta, opressora e tirânica, a perfídia de vilões dizia-se fruto do mundo social e as classes mais altas surgiam como ameaças à moralidade (PUNTER, 1996, p. 160-1).

Em virtude da pluralidade de interpretações e reações que originou, o Romance Gótico adquiriu importância fora do reduto da literatura e, sobretudo, através de estudos e análises que foram, em parte, um produto da sua popularidade. Nesse domínio se insere o seu contributo para a teoria do inconsciente de Sigmund Freud (1856-1939). A psicanálise observou como este romance vivia de um retorno, sob a forma de faz de conta, daquilo que o indivíduo reprimia. Mais, a localização das histórias em castelos sugeria uma ligação subconsciente entre o terror gótico e a infância, pelo que o Romance Gótico, olhando a infância e recuperando fantasias e memórias suas, surge como um conto de fadas para adultos (MISE, 1970, p. 235).

Esta variedade de interpretações foi uma das causas da depreciação social do género aquando do seu surgimento. O elogio do Romance Gótico não era bem visto, sobretudo em círculos literários e/ou elites, onde era depreciado como literatura menor. Tal desprestígio promanou, em parte, da sua popularidade. Os Romances Góticos contavam-se entre as obras mais requisitadas em bibliotecas e pequenas histórias góticas eram recorrentes em periódicos. Este era, portanto, um gênero muito lucrativo e, assim, foi favorecido entre novos escritores ambiciosos que se procuravam celebrizar pela conquista de um público vasto. Inversamente, escritores já célebres, temendo efeitos reputacionais, evitavam a associação ao género.

Porém, o apreço pelo Romance Gótico, sobretudo quando comparado à menor popularidade de obras mais bem cotadas entre as elites, sinalizava a sua banalidade e indicava a falta de gosto dos seus leitores. Propalou-se a ideia de que tais romances eram obras de escritores menos qualificados lidas por leitores pouco instruídos cujas mentes frágeis influíam com pensamentos extravagantes e propensões reprováveis. Por outro lado, a popularidade do Romance Gótico e o seu domínio do mercado sinalizaram uma mudança no controlo da literatura da crítica para o público, e tal género acabaria por se volver um dos mais preponderantes, salientando-se a sua influência num dos movimentos estéticos e culturais mais definidores da hodiernidade, — o Romantismo.

No século XX, o Romance Gótico foi reinterpretando o terror e expandiu-se para filmes, musicais, televisão, jogos de computador e vídeos. A ansiedade em relação ao presente de que o Romance Gótico se alimentava, quando surgiu, passou a projetar-se no receio do futuro e não na nostalgia pelo passado.

O Romance Gótico, abordando o impossível, o insólito, desejos e ansiedades, associou-se sempre a um medo suscitado pelo presente e dependente de contextos históricos e culturais. Começou por refletir receios face ao domínio de classes abastadas e a ímpetos revolucionários, e reflete hoje inquietações concernentes à vigilância, ao avanço tecnológico, às redes sociais, à manipulação de imprensa ou à vida em outros planetas.  Conferindo uma dimensão de irrealidade e de sonho aos medos e às ansiedades dos seus leitores, o Romance Gótico permite-lhes relativizar tais preocupações ao conceder-lhe uma forma de viver de modo seguro e coletivo.


REFERÊNCIAS

BOTTING, Fred. Gothic. Routledge, 1996.
GAMER, Michael. Romanticism and the Gothic: Genre, Reception, and Canon Formation. Cambridg e University Press, 2000.
KILGOUR, Maggie. The Rise of the Gothic Novel. Routledge, 1995.
MISE, Raymond W. The Gothic Heroine and the Nature of the Gothic Novel. Universidade  de Washington, 1970.
PUNTER, David. A Literature of Terror, Taylor and Francis, 1996.
SUMMERS, Montague. The Gothic Quest: a history of the gothic novel. Fortune, 1938.