HORACIO QUIROGA – ficcionista

Ana Lúcia Trevisan

Horacio Quiroga, que nasceu em 1878, na cidade de Salto, no Uruguai, teve uma vida marcada por inúmeros infortúnios trágicos. Com apenas três meses de vida, seu pai dispara acidentalmente uma arma e morre na frente de sua própria família. Aos dezoito anos, ocorre a trágica morte de seu padrasto, Ascênsio Barcos, que se suicida, uma vez vitimado por uma paralisia generalizada. Episódios semelhantes voltam a marcar o destino do escritor, compondo o triste cenário de mortes trágicas, acidentais ou provocadas, que determinam os rumos da vida e da obra de Horacio Quiroga.

Após uma estada em Paris, retorna ao Uruguai e a fatalidade volta a assombrar a sua vida, quando mata acidentalmente, com um tiro de pistola, seu amigo e poeta, Federico Ferrando. Comprovada a sua inocência, o escritor decide se instalar em Buenos Aires e jamais regressará a sua pátria. Em anos posteriores, Horacio Quiroga intregará a expedição de Leopoldo Lugones destinada a inspecionar as ruínas jesuíticas de Misiones e conhecerá uma realidade da selva que mudará os rumos de sua vida e se fará presente em muitos de seus relatos. Em 1909, casa-se com Ana Maria Cires, que tinha sido sua aluna, nessa época, escreve sua maior produção de contos. Seis anos depois, em 1915, Ana Maria se suicida e esse fato trágico terá impacto profundo na vida do escritor.

Em 1917, como cônsul uruguaio em Buenos Aires, publica Contos de amor, de loucura e de morte, que o consagra como um dos principais contistas hispano-americanos. Em 1933, com o golpe de estado do presidente Terra, no Uruguai, é decretada a destituição de Quiroga do cargo de cônsul. Em 1935, publica seu último livro de contos, Más allá. Em 1936, em um exame, no Hospital das Clínicas de Buenos Aires, descobre que está com câncer e no dia 19 de fevereiro de 1937 se suicida com cianureto.

Horacio Quiroga foi essencialmente um contista cuja técnica apurada contribuiu para que o conto hispano-americano conquistasse plena maturidade. A sua preocupação teórica em relação ao gênero, bem como a consciência de que o conto possui características específicas e definidas, faz com que o escritor publique seu Decálogo do perfeito contista, formulação crítica na qual Quiroga sintetiza uma perspectiva teórica para a escritura do conto.

A experiência trágica que acompanha a vida do autor deixará marcas contundentes em sua narrativa, pois em seus contos a imprevisibilidade da vida, o acaso e o acidental se amalgamam, criando efeitos de tensão singulares. Uma vez que seus personagens são expostos aos limites da realidade e aos horizontes bipartidos do destino, observa-se a configuração de uma matéria narrativa permeada pela crescente angústia e pela iminência do horror. Reside nesse aspecto uma gênese das formulações narrativas do fantástico, pois, ainda que Quiroga não explore na maioria de seus contos as imagens do insólito ficcional, existe um modo particular de criar a tensão em suas  narrativas, emoldurada em um mundo ficcional violento no qual a morte, grande protagonista dos relatos, surge iniludível, em meio aos acasos do destino.

A morte, que invariavelmente surge nos relatos do autor, pode ser narrada do ponto de vista de suas próprias vítimas, que descrevem suas sensações em meio à percepção trágica de que a vida está se esvaindo, como no exemplo dos contos “A la deriva”, “El regresso de Anaconda”, “El hombre muerto” e “Las moscas”. A morte torna-se, assim, um agente monstruoso, que obriga os personagens a visitar os recônditos de seus medos, cabendo ao leitor, o encontro com uma forma de insólito que se aproxima de um pesadelo, nascido de estratos narrativos de viés realista.

O horror que se explicita em contos como “El almohadón de plumas” ou “La gallina degolada” não se revela de forma direta, mas sim por meio das expressões demonstradas pelos personagens diante do horror. Assim, o grito da mãe diante da cena final do conto “La gallina degolada” ou o desespero da empregada diante do inseto monstruoso que habitava o travesseiro no conto “El almohadón de plumas”, são os modos indiretos de criar os efeitos de suspense, deixando o leitor imerso nos sentidos de uma realidade absurda, terrível e angustiante.

Segundo a análise de Leonor Fleming, o horror em Quiroga é quase sempre sugerido, não está nos elementos externos, mas sim dentro do próprio homem, refletindo sua percepção trágica da vida:

El horror, experimentado precoz y reiteradamente en su vida y redescubierto en sus libros, sobre todo en Poe, está latente, agazapado detrás de lo desconocido; la muerte – vislumbrada  e inexplicable – es su perfecto paradigma. Sólo el logos es capaz de convertir el caos en mundo. Quiroga opta por poner en palabras los miedos que lo aterran para domesticarlos. (Fleming, 1991, p. 19)

REFERÊNCIAS

QUIROGA, Horacio. Cuento. Edición de Leonor Fleming. Madrid: Cátedra, 1991.

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

CLANTZ, Margo. Poe en Quiroga. In: FLORES, Ángel. Aproximações a Horacio Quiroga. Caracas: Monte Ávila, 1976.
JITRIK, Noé. Horácio Quiroga, una obra de experiencia y riesgo. Buenos Aires, Ediciones Culturales Argentinas, 1959.
MONEGAL, E. R. El desterrado, vida y obra de Horacio Quiroga. Buenos Aires: Losada, 1968.
QUIROGA, Horacio. Contos de amor, de loucura e de morte. Prefácio e tradução de Eric Nepomuceno. Rio de Janeiro: Record, 2001.