CASTELO DE OTRANTO (O), literatura – Horace Walpole

Ana Sofia Louro

The Castle of Otranto (O Castelo de Otranto) é um romance de Horace Walpole (1717-1797) publicado anonimamente pela primeira vez em 1764 e considerado a obra pioneira do género literário Romance Gótico. À sua segunda edição e ao seu subtítulo “A Gothic Story” remonta a primeira utilização do termo gótico aplicado a uma obra literária. À época, esta obra, embora bem recebida pelo público, foi descrita pela crítica como uma extravagância romântica. Ainda assim, The Castle of Otranto iniciou uma importante tradição que se traduziu numa variedade e quantidade singular de obras que seguiram exatamente os seus moldes, recorrendo aos mesmos motivos e fórmulas que perdurariam até a contemporaneidade em obras consideradas no reduto do Romance Gótico.

Aquando da produção de The Castle of Otranto (O Castelo de Otranto), Horace Walpole estaria fascinado com a história e a época medieval, razão que motivou a imaginação e restruturação da sua propriedade — A Casa Strawberry — segundo os modelos arquitetónicos góticos medievos. Numa carta de 1765, Walpole escreveu que The Castle of Otranto (O Castelo de Otranto)  havia sido fruto de um sonho que tivera naquela casa:

I wakened one morning, in the beginning of last June, from a dream, of which all I could recover was, that I had thought myself in an ancient castle (a very natural dream for a head filled like mine with Gothic story), and that on an uppermost bannister of a great staircase I saw a gigantic hand in armour. In the evening I sat down, and began to write, without knowing in the least what I intended to say or relate. (Letters 328)

The Castle of Otranto (O Castelo de Otranto)  foi, não obstante, apresentado ao público como a tradução de um manuscrito medieval antiquíssimo: “The Castle of Otranto, A Story. Translated by William Marshal, Gent. From the Original Italian of Onuphrio Muralto, Canon of the Church of St. Nicholas at Otranto.” A suposta tradução referir-se-ia a um manuscrito de Nápoles de 1529, descoberto numa casa do norte inglês, detida por uma antiga família católica que narrava uma história referente à época das cruzadas. Walpole criou, portanto, uma história gótica em torno da própria origem da obra e utilizou um pseudônimo para surgir como tradutor.

The Castle of Otranto (O Castelo de Otranto) mescla elementos medievais com terror e, localizando a sua ação num castelo assombrado, reúne todos os ingredientes da receita de um Romance Gótico: um castelo no sul Europeu, ambiente medieval e exótico, uma profecia e um herdeiro usurpado, uma linhagem misteriosa, passagens subterrâneas e câmaras secretas, gigantes e eremitas, mortes, tempestades, incesto, uma heroína em fuga, confinamento, um casamento entre um homem mais velho e uma jovem, desobediência filial e tirania parental e conflito entre paixão e razão (MISE, 1970, p. 49-50).

The Castle of Otranto (O Castelo de Otranto) foi um sucesso de vendas. Por esse motivo, na segunda edição, Walpole assumiu a autoria da obra e explicou a sua origem num prefácio que funcionaria doravante como um manifesto do Romance Gótico. Walpole entrou no debate então em voga sobre se a função da literatura era instruir ou entreter e explicou que a sua obra era uma mescla entre o romance antigo e o moderno e tinha uma inspiração clara: “That great master of nature, Shakespeare, was the model I copied.” (WALPOLE, 2009, p.8)

Walpole considerou a mistura entre esses gêneros essencial. Se o romance antigo, medieval, era, como escreveu “all imagination and improbability”, o romance moderno procurava uma cópia verossímil da natureza (8) — uma mistura dos dois era o ideal. Neste âmbito, Shakespeare foi considerado o magno exemplo por ter tido a capacidade de juntar elementos diversos, volvendo cenas cómicas em tragédias e vice-versa numa técnica que viria a ser vastamente utilizada por autores que o sucederam, nomeadamente entre romancistas góticos. Tal ocorreu porque essa mesma técnica foi utilizada por Walpole em The Castle of Otranto (O Castelo de Otranto)  que, pioneira no gênero, estabeleceu o modelo a imitar.

Não obstante e, apesar da popularidade que The Castle of Otranto (O Castelo de Otranto)  teve junto do grande público, a crítica especializada coetânea não foi tão recetiva e, no seguimento do reconhecimento da autoria por Walpole, acusou a obra de ser absurda, superficial, imoral, disparatada e romanesca, remetendo-a ao mesmo domínio em que à época se consideravam os romances medievais. Porém, se à época a obra foi abordada como uma mera narrativa gótica, desde então se tem questionado sobre o tom irónico e satírico que lhe é reconhecido e que a distingue de outras obras góticas per se, como, a título de exemplo, os romances de Ann Radcliffe (1764-1823). Em The Castle of Otranto (O Castelo de Otranto) são agora descortinados certos elementos e estilo que advogam a favor de uma leitura que aponta a ironia face ao insólito e ao sobrenatural, ao mesmo tempo que depende deles.

Todavia, a receção menos positiva da crítica coeva não invalidou o sucesso que tornou a obra de Walpole uma das mais influentes de língua inglesa e originadora de uma revolução no gosto do público leitor (SUMMERS, 1938, p. 179). The Castle of Otranto (O Castelo de Otranto)  e Walpole deram a receita narrativa aos Romances Góticos vindouros ao estabelecerem motivos que se tornariam pontos fixos nas obras do género. Mais, após a sua publicação verificou-se um considerável aumento de obras publicadas com o vocábulo castle no título e a ideia de que uma obra deste gênero era uma tradução de um manuscrito antiquíssimo tornou-se um habitué em Romances Góticos, assim como a noção de que a inspiração para tais obras surgia aos autores em sonhos.

The Castle of Otranto (O Castelo de Otranto)  foi traduzido por Sir Walter Scott (1771-1832) para francês e italiano, sendo a principal inspiração e origem de Romances Góticos como os de Clara Reeve (1729-1807), Ann Radcliffe, Matthew Lewis (1775-1818), Bram Stoker (1847-1912) ou Edgar Allan Poe (1809-1849). Igualmente, foi nesse âmbito e, enquanto pioneiro no Romance Gótico, essencial à produção de paródias a esse gênero como, exemplificativamente, The Female Quixote (1752) de Charlotte Lennox (1730-1804), The Heroine (1813) de Eaton Stannard Barrett (1786-1820) ou Northanger Abbey (1818) de Jane Austen (1775-1817), bem como crucial ao revivalismo gótico e medieval que inspiraria o Romantismo.


REFERÊNCIAS

MISE, Raymond W. The Gothic Heroine and the Nature of the Gothic Novel. Universidade de Washington, 1970.
SUMMERS, Montague. The Gothic Quest: a history of the gothic novel. Fortune, 1938.
WALPOLE, Horace, et al. The Castle of Otranto/Nightmare Abbey/Vathek.  David Stuart Davies (Ed). Wordsworth Edição Ltd. 2009.
WALPOLE, Horace. The Letters of Horace Walpole. Peter Cunningham (Ed). John Grant, 1906.

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

WATT, James. Contesting the Gothic: Fiction, Genre and Cultural Conflict, 1764-1832. Cambridge University Press, 1999.