BERNARDO GUIMARÃES – ficcionista

Fabianna Simão Bellizzi Carneiro

Poeta, contista, romancista, professor e juiz de Direito, Bernardo Guimarães nasceu em Ouro Preto no dia 15 de agosto de 1825 e aos quatro anos de idade mudou-se com os pais para Uberaba, Minas Gerais. Aos 17 anos adere ao exército chimango que, em marcha direcionada à capital por conta da revolução liberal de 1842 que se abate sobre Minas Gerais, ataca a vila de Queluz (MAGALHÃES, 1926, p. 13-54). Ao retornar ao lar e disposto a não mais servir às causas militares, o escritor matricula-se, em 1847, na Faculdade de Direito de São Paulo, onde faz amizade com Álvares de Azevedo e Aureliano Lessa. Durante o período acadêmico, Bernardo Guimarães colaborou nos “Ensaios Literários do Atheneu Paulistano” e no periódico “Bom Senso”. Após bacharelar-se, Bernardo Guimarães passa a exercer o cargo de juiz, começando pela comarca da cidade de Catalão, Goiás, em 1852, quando após, em 1858, muda-se para o Rio de Janeiro (então capital do Império) e publica a segunda edição de Cantos da solidão, acrescidos das Inspirações da tarde (GUIMARAENS, 1976) – coletâneas de poemas com forte presença de elementos satíricos e eróticos. Em 1860 publica o drama “A voz do pajé”, e no ano seguinte retorna à Catalão passando a exercer, novamente, o cargo de juiz municipal.

Em 1866 o escritor muda-se para sua cidade natal, Ouro Preto, vindo a falecer no mesmo local em 1884. O período entre 1864 e 1879 foi o mais profícuo em termos de produção literária do autor, com destaque para o romance A escrava Isaura, publicado em 1875 pela Garnier, e que situa Guimarães na campanha abolicionista. Em 1879, o escritor publica seu último romance, A ilha maldita, enfeixado em um só volume com o conto “O pão-de-ouro”. Exímio conhecedor da Língua Portuguesa, professor de Latim, Filosofia, Retórica e Poética do Liceu Mineiro de Ouro Preto, Guimarães inventariou os falares e o tipo de vida das pessoas rudes do interior, preferencialmente o interior de Minas Gerais e Goiás, e os encaixou com bastante argúcia em suas narrativas. A simplicidade com que teceu seus textos foi um recurso observável não apenas nos diálogos entre personagens, mas também na forma como conduzia a fala dos narradores, dando ao leitor a impressão de ter transportado a prosa da roça e os causos do interior para o papel, “sem outro ritmo além do que lhes imprime a disposição de narrar sadiamente, com simplicidade, o fruto de uma pitoresca experiência humana e artística” (CANDIDO, 2006, p. 549). Como contista, Guimarães pouco se excedeu no rebuscamento textual ou na adjetivação. Na maioria de suas narrativas têm-se narradores à vontade em suas falas, favorecendo uma aproximação entre narrador e personagens, bem ao gosto dos contadores de histórias da tradição oral, conforme podemos notar nos contos “Uma História de Quilombolas”, “A Garganta do Inferno”, “A Dança dos ossos”, reunidos na coletânea “Lendas e romances” publicada pela primeira vez em 1871. Nota-se, nesses contos, a forte influência que a literatura oral exerceu em sua escrita, em que um narrador em primeira pessoa abre e fecha as histórias, bem ao estilo das narrativas encaixadas ou emolduradas. Ainda é mais significativo o fato de esses narradores colocarem-se como defensores de causos que carregam forte carga de terror e emoção, como no conto “História de uma cabeça histórica”, publicado em 1867.

O autor estendeu o senso regionalista às suas narrativas com bastante fidelidade e minúcia, tendo em vista que ele ainda vivenciava os arroubos da estética romântica, porém ainda muito imiscuída aos laivos indianistas. O momento requeria uma generosa dose de ufanismo e valorização dos aspectos positivos locais e costumes genuínos, embora, e paradoxalmente, o autor não tivesse recuado frente a possibilidade de chocar seus leitores com personagens aborígenes e de índole selvática, por vezes sanguinolenta (VOLOBUEF, 1999), como na novela Jupira (1872), em que a descrição da protagonista em nada condiz com o comportamento da típica heroína romântica e recatada: “Bernardo Guimarães não compartilhava da ideia cunhada por Rosseau do ‘bom selvagem’, de modo que o seu índio é um ‘personagem tirado da realidade’” (ALPHONSUS apud VOLOBUEF, 1999). Foi no campo que Guimarães extraiu inspiração para suas composições, ao mesclar personagens, enredo e cenários ao ambiente campestre, retratando o homem do sertão em suas particularidades e herdeiro de tradições antigas, lendas, abusões e mistérios. Destaca-se que muito de nosso acervo lendário deriva de matrizes europeias, como se pode constatar no poema “Orgia dos Duendes”, publicado em Poesias diversas (1865). Há, no poema, práticas muito próprias das lendas europeias como feitiçaria, magia, lobisomem, duendes, defuntos, capeta, sapo-inchado, mula-sem-cabeça, sentenciando que o poema de Guimarães “é assim mais um elo na longa tradição lusitana que faz uma elipse do sabá: no poema estão presentes tanto os elementos do mito quanto os do rito” (SOUZA, 1993, p. 191). Esses elementos e práticas presentes em “Orgia dos Duendes” também se apresentam em várias narrativas de Bernardo Guimarães, denunciando um autor que atestou o enraizamento do imaginário demonológico europeu nos sertões brasileiros. Temas recorrentes em sua obra, como cabeças e mãos cortadas em “Uma história de Quilombolas” (1871), integravam rituais da magia europeus, “sendo parte importante do imaginário tecido em torno do sabá das bruxas” (SOUZA, 1993, p. 191).

O estilo de Bernardo Guimarães reforça as tradições familiares, os costumes regionais, a hierarquia do interior e as formas de prestígio enoveladas pela atmosfera campestre: em seus contos, poemas e romances, à natureza se juntam a casa, a família, o caminho, a roça e a vida rotineira (CANDIDO, 2006, p. 551). Embora Guimarães não exaltasse o rebuscamento ou a composição elaborada, a ele não faltou inspiração para colher, do meio em que vivia, elementos nativos para compor obras como O Seminarista (1872), O garimpeiro (1872) e História e tradições da província de Minas (1872). Ao trabalhar personagens baseadas nos moradores dos sertões de Minas Gerais e Goiás em narrativas assentadas nas tradições locais, Bernardo Guimarães foi considerado “o criador do romance sertanejo e regional, sob o seu puro aspecto brasileiro” (VERÍSSIMO, s/d, p. 294). Guimarães ainda ultrapassou o simples retrato do sertão, trazendo para sua obra temas com claras intenções sociais e políticas, dando, assim, sua contribuição para o desenvolvimento do romance nacional. Parte de sua bibliografia se situa num momento de transição para o Realismo/Naturalismo, porém relegada ao ostracismo, a saber: O ermitão de Muquém (romance, 1858), O índio Afonso (novela, 1873) e “O elixir do pajé” (poema, 1875).

REFERÊNCIAS

CANDIDO, Antonio. Formação da literatura brasileira: momentos decisivos, 1750-1880. Rio de Janeiro: Ouro sobre azul; São Paulo: FAPESP, 2006.
FILHO GUIMARAENS, Alphonsus de. Bernardo Guimarães, Sertanista e Indianista. In: GUIMARÃES, Bernardo. História e Tradições da Província de Minas Gerais. Brasília: INL, 1976.
MAGALHÃES, Basílio de. Bernardo Guimarães. Esboço biográfico e crítico. Tipografia do anuário do Brasil. Rio de Janeiro, 1926.
SOUZA, Laura de Mello e. Inferno Atlântico: demonologia e colonização, séculos XVI-XVIII. São Paulo: Companhia das Letras, 1933
VERÍSSIMO, José. História da Literatura Brasileira. De Bento Teixeira (1601) a Machado de Assis (1908). Rio Grande do Sul: Edelbra, s/d, 1997.
VOLOBUEF, Karin. Frestas e arestas. A prosa de ficção do Romantismo na Alemanha e no Brasil. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1999.