FANTASIA HISTÓRICA

Diana Marques

Fantasia Histórica é uma sub-categoria da Fantasia que incorpora elementos fantásticos e históricos. Apesar de ambas as características serem, aparentemente, opostas, uma vez que a Fantasia supõe uma quebra com a realidade consensual e extrapola os limites da realidade, enquanto a Ficção Histórica se baseia na representação de acontecimentos históricos e factuais, aspetos de ambos os géneros podem coexistir numa mesma obra. Assim, a Fantasia Histórica pode ser considerada um híbrido destes dois géneros: um disruptivo (Fantasia) e o outro normativo (Ficção Histórica). Esta aparente oposição permite ao autor criar um mundo narrativo alternativo que reflete sobre a realidade histórica do mundo do leitor, ao mesmo tempo que inclui elementos fantásticos, por vezes até de forma a preencher lacunas deixadas pela História (SCHANOES, 2014, p. 236).

O género da Fantasia tem estado, de alguma forma, ligado à História ou a ideias históricas desde sempre, uma vez que é frequente encontrarem-se mundos fantásticos baseados em períodos históricos, como o período medieval europeu (CLUTE e GRANT, 1997, p. 468). Por isso, as barreiras entre a Fantasia e a História podem ser ténues, precisamente por haver alguns pontos de contacto. É o caso de The Lord of the Rings (1954-1955), de J. R. R. Tolkien, ou A Song of Ice and Fire (1996-2011), de George R. R. Martin, cujos mundos de Fantasia são construídos baseados em aspetos históricos do período medieval europeu. No entanto, nenhuma destas obras é Fantasia Histórica, uma vez que não há qualquer referência direta e explícita a momentos históricos reais.

Um aspeto comum entre a Fantasia e a Ficção Histórica, que também se verifica na Fantasia Histórica, é a importância da construção do mundo narrativo. Em ambos, o autor tem de familiarizar o leitor com o mundo criado, de forma a que este seja entendido como um mundo completo em si mesmo, com características específicas. Nesse sentido, o autor de Fantasia tanto tem de apresentar ao leitor o seu mundo com criaturas fantásticas e elementos fantasiosos, inexistentes no mundo do leitor, quanto o autor de Ficção Histórica tem de ancorar a sua narrativa numa realidade histórica factual, descrevendo-a o melhor possível, de forma que o leitor se sinta ambientado. E perante os aspetos que são deixados à margem do discurso Histórico, ou que são desconhecidos por falta de dados factuais, a Fantasia permite apresentar formas de fazer sentido dessas exclusões e pode preencher essas falhas, conforme as intenções do autor (SCHANOES, 2014, p. 236).

Existem diversas formas de a História se poder imiscuir em obras de Fantasia e que permitem, assim, que essas obras se caracterizem como Fantasias Históricas. A primeira diz respeito a obras que se apresentam em contextos históricos nos quais surgem, de forma simultânea, elementos fantásticos (CLUTE e GRANT, 1997, p. 468). A obra Anubis Gates (1983), de Tim Powers, é um exemplo dessa categoria, uma vez que o autor coloca a sua narrativa no século XIX, no Egito e em Londres, acrescentando elementos relacionados com viagens no tempo e com magia, que oferecem explicações para alguns dos eventos narrados. A trilogia Winternight (2017-2019), de Katherine Arden, também propõe uma narrativa ambientada na Rússia medieval e que incorpora elementos de magia e do sobrenatural ligados ao folclore russo, aspetos que terão repercussões na forma como a Igreja Ortodoxa encara a personagem principal.

Outra forma de Fantasia Histórica é a criação de mundos históricos alternativos (CLUTE e GRANT, 1997, p. 468). Nesse caso, a narrativa está ancorada num período histórico no qual se incluem elementos fantásticos que reimaginam a História, criando, por isso, uma História alternativa. Um desses exemplos é a obra Jonathan Strange & Mr. Norrell (2004), de Susanna Clarke, na qual é apresentada uma História alternativa da Inglaterra do século XIX, no período das Guerras Napoleónicas. Nessa obra, várias temáticas são subvertidas e reinventadas, como a Revolução Industrial ou a divisão entre o Norte e o Sul inglês, ao mesmo tempo que se parte da premissa de que a magia existiu, em tempos, e que retorna com esses dois homens: Strange e Norrell. De forma a construir esse mundo de forma coesa, a autora acrescenta ainda notas de rodapé, como forma de delinear o contexto histórico, bem como adicionar um corpus de conhecimento em relação ao estudo da magia, aspeto completamente ficcional. Outro exemplo desses mundos históricos alternativos é a série de livros Temeraire (2006-2016), de Naomi Novik, que segue a história do seu protagonista e dos seus dragões, reimaginando os eventos das Guerras Napoleónicas, nas quais os dragões constituem uma espécie de Força Aérea.

Assim, a Fantasia Histórica é um subgénero da Fantasia que contém elementos fantásticos e históricos de forma explícita, e que fornece maneiras diferentes e alternativas de compreender e de contar a História factual.

REFERÊNCIAS

CLUTE, John; GRANT, John. History in Fantasy. The Encyclopedia of Fantasy. St Martin’s Griffin. p. 468, 1997.
SCHANOES, Veronica. Historical Fantasy. The Cambridge Companion to Fantasy Literature. Edward James, Farah Mendlesohn (Ed). Cambridge University Press. p. 236-247, 2014.