BERNARDO ÉLIS – ficcionista

Fabianna Simão Bellizzi Carneiro

Considerado um dos introdutores do Modernismo em Goiás, Bernardo Élis torna sua escrita peculiar ao sublinhar temas sombrios e terríficos, sendo considerado por Herman Lins (apud TELES, 2007, p. 66) uma espécie de Edgar Allan Poe rústico. Nascido em 1915, na cidade de Corumbá de Goiás, Élis tivera contato desde cedo com uma funcionária da fazenda da família que o sensibilizara para as narrativas orais. Graças a essa moça, o autor conhecera os causos de pessoas assassinadas que eram enterradas e depois faziam aparições fantasmagóricas. Além disso, o ambiente doméstico do autor alimentou seu imaginário, desde muito cedo, com histórias de superstição e medo.

Nas narrativas de Bernardo Élis os ermos reverberam, com muita intensidade, a grandeza de um espaço em que o terror e o macabro imiscuem-se à realidade hostil de pessoas apartadas dos centros de decisões. Suas obras delineiam um retrato cruel do regionalismo goiano, migrando da natureza sublime, presente nos ermos, para a revelação do homem esquecido nos gerais, sem esperanças, com solidão da alma e desumanizado pelo sistema de poder. Suas histórias apropriam-se das crenças como forma de mostrar a resignação de pessoas achacadas por conta do brutal sistema de produção no campo.

Em algumas obras de Bernardo Élis, como no conto “O caso inexplicável da orelha de Lolô”, no qual a orelha de um escravo assassinado que ficara durante anos guardada em uma caixa, caminha sobre a mesa e o escritório do casarão de uma fazenda, notamos manifestações insólitas dentro da tessitura narrativa. Embora manifestações fantásticas mais convencionais não sejam recorrentes nas narrativas de Élis, podemos notar, em grande parte de sua produção, nuances do insólito – não como mero malabarismo, gratuidade ou sofisticação para leitores mais incautos, mas como forma de ressaltar questões de ordem social. Bernardo Élis recorre à degradação física e espiritual do homem do sertão, esquecido nos ermos de um Brasil onde a pobreza do campo tornava-se um entrave à industrialização e modernidade. A realidade que cercava Élis era distante da literatura tradicional, como o próprio definira. Fato que também resulta em uma escrita que reflete a vida de Goiás, com a sutileza e o cuidado de não cair no apriorismo, ao transformar sua arte em puro relato regional. Élis conseguiu dar uma dimensão ao regional superando o simples relato naturalista e assim munir sua escrita de universalidade (ABDALA, 1983, p. 104).

O momento exigia uma determinada postura dos artistas. A Semana de Arte Moderna (1922), o Golpe de 1930 e o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, fizeram com que alguns escritores se engajassem em projetos artísticos e produções com uma postura mais reivindicatória em relação aos desassistidos e na contramão das normas e instituições vigentes. Seu livro de estreia, Ermos e Gerais, publicado inicialmente em 1944, nos fornece, já pelo título, indícios do descaso a que estava submetida a população sertaneja. Ao explicar, ao professor Giovanni Ricciardi, da Facoltà di Lingue e Letterature Straniere, da Itália, o que significava o título, Bernardo Élis diz: “Ermo significa deserto, descampado, solitário, […]; gerais tem mais compreensão geográfica, querendo dizer, campos extensos e desabitados, cujas terras se acham inaproveitadas” (MARCHEZAN, 2005, p. X, grifos do autor).

A situação do Brasil campestre, especificamente em Goiás nas primeiras décadas do Século XX, mostrava um estado decadente, com chagas advindas após a exaustão da terra, remexida durante séculos por conta da extração de minérios e, depois, com a economia pecuária. A reprodução da ideia de decadência atravessa o Império e entra na Primeira República sob o manto do atraso. Destarte, havia o interesse em manter o atraso na região como forma de manipular, politicamente, a miséria e pobreza dos moradores do campo (CHAUL, 2010, p. 156) – ocorrências que podem ser atestadas na novela As Terras e as Carabinas, publicada entre os anos de 1952 e 1953 no jornal O Estado de Goiás; e no romance O Tronco, publicado em 1956.

O escritor lança mão de artifícios como transfiguração da oralidade ou estilização da fala regional de forma a dar mais significado às sequências narrativas. O que sobressai na linguagem utilizada por Élis é o falar regional que não diverge do contexto, imbricando-se naturalmente e propondo não uma transcrição ipsis litteris do falar não normatizado do povo, mas adequando-se ao falar regional: “Bernardo sentiu que nenhuma maneira melhor havia de aproximar-se de seu povo, senão através de sua vida que é a sua fala” (OLIVAO, 1975, s/p). Através da linguagem regionalista, a escrita de Bernardo Élis conseguiu captar as necessidades e anseios da população local e retratar o homem do sertão goiano em sua inteireza, numa visão da realidade que explora, de forma contumaz, o caráter de denúncia e reivindicação.

Foi profícua a produção de contos do autor, reunidos nas coletâneas: Caminhos e descaminhos (1965), Veranico de Janeiro (1966), Caminhos dos Gerais (1975). Destaca-se o conto “A enxada”, produzido para televisão no ano de 1978, porém com exibição proibida pela censura. Em 1975 o escritor é eleito membro da Academia Brasileira de Letras e cinco anos após é nomeado diretor-substituto do Instituto Nacional do Livro. Em 1997, Bernardo Élis falece em sua cidade natal, Corumbá de Goiás.

REFERÊNCIAS

ABDALA, Benjamin, Jr. Bernardo Élis. Seleção de textos, notas, estudos biográfico, histórico e crítico e exercícios. São Paulo: Abril Educação, 1983. (Coleção Literatura Comentada).
CHAUL, Nasr Nagib Fayad. Caminhos de Goiás: da construção da decadência aos limites da modernidade. Goiânia: Editora UFG, 2010.
MARCHEZAN, Luiz Gonzaga. Introdução. In: ÉLIS, Bernardo. Ermos e Gerais. São Paulo: Martins Fontes. p. IX-XXIX, 2005.
OLIVAO, Moema de Castro e Silva. Prólogo. In: ÉLIS, Bernardo. Caminhos dos Gerais: contos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, s/p, 1975.
TELES, Gilberto Mendonça. O conto brasileiro em Goiás. Goiânia: Editora da UCG, 2007.