Manuel Antônio Álvares de Azevedo (1831-1852) é um expoente da literatura romântica brasileira de caráter insólito, ao contrário de alguns de seus contemporâneos, que prezavam pela narrativa “real-naturalista” de caráter indianista ou de exaltação da natureza. Até mesmo especulações em torno de seu local de seu nascimento, em 1831, tornaram-se uma lenda. Jaci Monteiro, primo do autor, dedicou-lhe um necrólogo publicado em 1862 para a segunda edição das Obras Completas de Álvares de Azevedo. Esse texto foi considerado o primeiro estudo de caráter biográfico, dando origem à lenda de que Álvares de Azevedo teria nascido em uma biblioteca.
A sina do menino prodígio, considerado um dos maiores do panteão literário brasileiro por Antonio Candido, foi definitivamente confirmada pelo biógrafo Vicente de Paulo Vicente de Azevedo com uma carta da irmã do autor de Noite na Taverna, confirmando que este de fato havia nascido em uma biblioteca. Outras polêmicas também giraram em torno da vida de Álvares de Azevedo e de outros que se consideravam seguidores da moda byroniana no Brasil, quase sempre rotulados de poetas macabros, frequentadores de cemitérios, colecionadores de objetos exóticos, crânios e tochas de enterro, conforme descrições de Pires de Almeida.
No entanto, outros autores como Brito Broca questionavam a veracidade de tais afirmações. Especulações sobre Álvares de Azevedo ser um libertino, membro da Sociedade Epicuréia e que passava noites trancado em quartos infectos com prostitutas foram minimizadas quando Mário de Andrade publicou “Amor e Medo” na Revista Nova, em 1931, um estudo psicanalítico que passa a considerá-lo como portador de um complexo de Édipo que se manifesta em sua obra pelo “medo de amar”. Apesar de não possuir uma bibliografia muito extensa, Álvares de Azevedo destacou-se no cenário do romantismo brasileiro e as obras Noite na Taverna, Macário e Lira dos vinte anos foram as que ganharam maior notoriedade. A polêmica que circundou a sua vida não foi excluída de suas obras, visto que fora rotulado como “antinacionalista” inúmeras vezes pela crítica de sua época. Maira Pandolfi tece considerações sobre como o poeta enxergava o movimento nacionalista na literatura, dizendo que ele “[…] assinala o caráter artificial do indianismo e do nativismo cultuados pelos seus contemporâneos” (2000, p. 27-28). Sobre ser considerado um ente insólito entre os românticos brasileiros, Pandolfi lembra esse fragmento de Macário, no qual o poeta assinala o artificialismo literário de seus contemporâneos: “[…] nas águas do Amazonas e do Orenoco há insetos repulsos, répteis imundos […]” (PANDOLFI, 2000, p. 28).
A marca do insólito está sempre presente em sua escritura, como apontou Afrânio Peixoto. O crítico destacou Noite na taverna como um “conto fantástico, único em nossas letras, situado entre o horror de Poe e de Hoffmann, e a perversão de Byron e de Baudelaire” (PANDOLFI, 2000, p. 41). Onédia Célia de Carvalho Barboza (1974) propõe uma nova visão sobre o Byronismo no Brasil. Para ela, as características que se relacionam com a necrofilia e a poesia de cemitérios não correspondem às obras de Lord Byron. Onédia percebeu pelas análises que realizou das traduções feitas por Álvares de Azevedo das obras de Byron que a tendência do poeta brasileiro foi a de apresentar a escrita byroniana de forma mais fúnebre e mais soturna do que realmente era. Antônio Candido afirmou que Álvares de Azevedo “introduziu na literatura brasileira a invenção literária da cidade de São Paulo”. Para o crítico, “o noturno aveludado e acre do Macário suscitou a noite paulistana como tema, caracterizado pelo mistério, o vício, a sedução do marginal, a inquietude e todos os abismos da personalidade” (CANDIDO, 1987, p. 12-13).
Em Os melhores poemas de Álvares de Azevedo (1994), antologia organizada por Antonio Candido, este busca mostrar a junção entre a poesia e a prosa, assim como as diversas feições que estas assumem, ora angelicais, ora satânicas e humorísticas. No livro Leituras e releituras românticas: José de Espronceda e Álvares de Azevedo (2019), Maira Angélica Pandolfi realiza uma leitura atenta à obra Macário e também Noite na Taverna. A primeira, situada na noturna São Paulo do século XIX, insere o diabo como companheiro de viagem de Macário. Pandolfi, em sua análise dessa obra, defende a ideia de que o poeta brasileiro faz uma releitura do mito fáustico e, com ele, o conflito materializado pelo duplo, pois assim como ocorre em Fausto de Goethe, em Macário nota-se o simbolismo da morte e ressureição, evidenciada na passagem em que Satã faz a personagem Macário se deitar sobre o túmulo do cemitério e sonhar. A personagem Satã, por sua vez, reforça a marca do insólito nessa obra, pois ora é um cão, ora um belo rapaz ou uma cabra. A estudiosa também se refere ao caráter alegórico dessa releitura que problematiza ainda a questão nacional versus antinacional já assinalada.
REFERÊNCIAS
CANDIDO, Antonio. A Educação pela Noite. São Paulo: Editora Ática, p. 12-13, 1987.
PANDOLFI, Maira Angélica. Leituras e Releituras Românticas: José de Espronceda e Álvares de Azevedo. 2019. São Paulo: Editora Unesp Digital.
PANDOLFI, Maira Angélica. A recepção crítica de Manuel Antônio Álvares de Azevedo, 2000. (Dissertação de Mestrado) –Faculdade de Ciências e Letras de Assis, Universidade Estadual Paulista, Assis.
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
ALMEIDA, Pires de. A Escola Byroniana no Brasil. Jornal do Comércio. São Paulo, [s.i.p], 1903.
ANDRADE, Mário de. Amor e Medo. Revista Nova. São Paulo, ano 1, n. 3, p. 437-469. 1931.
AZEVEDO, Vicente de Paulo Vicente de. Álvares de Azevedo – Dados para sua biografia. São Paulo: Centro Acadêmico XI de Agosto, 1931.
BARBOZA, Onédia Célia de Carvalho. Traduções e Traduções. In: Byron no Brasil; traduções. São Paulo: Ática, p. 40; 269-270, 1974.
BROCA, Brito. Álvares de Azevedo e o Culto Byroniano. In: Românticos, Pré-Românticos, Ultra-Românticos. São Paulo: Polis, p. 212-214, 1979.
MONTEIRO, Domingos Jaci. Introdução. Obras de Álvares de Azevedo. 2. ed, v. 3, 1862.
PEIXOTO, Afrânio. A Originalidade de Álvares de Azevedo. Revista Nova. São Paulo, ano 1, v. 3, p. 338-345, 1931.