THÉOPHILE GAUTIER – ficcionista

Sabrina Baltor

Théophile Gautier, embora tenha nascido na cidade francesa de Tarbes em 30 de agosto de 1811 e falecido em Neuilly-sur-Seine em 23 de outubro de 1872, viveu a maior parte de sua vida em Paris, onde conquistou um enorme prestígio como crítico, sobretudo, de obras teatrais. Escreveu, desde os dezenove anos até sua morte, romances, contos fantásticos, poesias, críticas de arte, artigos sobre dramaturgia, ensaios sobre expoentes do gênero fantástico alemão como E.T.A. Hoffmann e Achim von Arnim, ensaios sobre escultores, pintores, estudos sobre o papel da poesia e da literatura.

Tendo vivido exclusivamente de sua pena, primeiramente para ajudar a família e depois por ser o principal responsável pelo sustento dos seus parentes mais próximos, em 1831, com apenas dezenove anos de idade, Gautier publica anonimamente o conto Un repas au désert de l’Égypte (Uma refeição no deserto do Egito), no periódico Le Gastronome, no dia 24 de março. Tal informação encontra-se no seu maior estudo bibliográfico: Histoire des oeuvres de Théophile Gautier, feito pelo Visconde Charles Spoelberch de Lovenjoul. Depois, no mesmo ano, ainda lança, desta vez, em seu nome, A Cafeteira (La Cafetière), em Le Cabinet de Lecture, no dia 4 de maio.

Antes disso, o jovem Théophile Gautier, em 1830, escreveu um artigo intitulado Hoffmann, publicado postumamente no estudo de Lovenjoul, em que demonstra todo o seu entusiasmo pela literatura fantástica que chegava às terras francesas sobretudo através da tradução das obras deste ícone do fantástico alemão do início do século XIX. Voltaria a escrever sobre Hoffmann, em 1836, um artigo publicado na revista Chronique de Paris e reimpresso, em 1841, no periódico Musée des Familles. Gautier aproveita seu estudo sobre o escritor alemão para defender o gênero fantástico dos ataques que, por vezes, recebia do público e da crítica, buscando demonstrar que para criar os eventos mais sobrenaturais era preciso um trabalho árduo do escritor na construção de sua narrativa:

Nem o vinho, nem o tabaco conferem brilhantismo; um grande homem bêbado anda torto como outro qualquer e cair na sarjeta não é motivo para alçar-se às nuvens. Não acredito que se tenha algum dia escrito bem quando se perdem os sentidos e a razão, e penso que as tiradas mais vigorosas e mais descabeladas foram compostas na frente de uma jarra de água. A causa da rapidez do sucesso de Hoffmann está certamente lá onde ninguém a teria procurado. Está no sentimento vivo e verdadeiro da natureza que brilha em um nível tão alto em suas composições menos explicáveis. (GAUTIER, 1841, p. 120)

Ainda em 1836, Gautier publica o seu conto fantástico mais significativo e popular A Morta Enamorada (La Morte Amoureuse). Trata-se da história do padre Romuald que se apaixona, no dia de sua ordenação, por Clarimonde, uma bela mulher de porte aristocrático, que, mais tarde, ele descobre ser uma bebedora de sangue, ou seja, uma vampira. Neste conto, encontra-se igualmente outro tema recorrente no gênero fantástico: o duplo. Depois da “morte” de sua amada, o padre Romuald começa a ter sonhos cotidianos em que é um nobre italiano, vivendo na devassidão ao lado de Clarimonde. No entanto, os sonhos eram tão vívidos, tão aparentemente reais que o protagonista não sabia se era: “um padre que sonhava a cada noite que era um fidalgo, ora um fidalgo que sonhava que era padre”. (GAUTIER, 1999, p. 84). A Morte Enamorada, inclusive, inspirou o romance romântico mais vendido de Aluísio Azevedo, A Mortalha de Alzira (1891).

Gautier escreveu contos fantásticos durante toda sua carreira literária. Além dos já mencionados Uma refeição no deserto do Egito, A Cafeteira e A Morte Enamorada, podemos citar igualmente: Ônfale, Uma História Rococó (Omphale, Histoire Rococo) de 1834; La Toison d’or (O Tosão de Ouro), de 1839; Pé da Múmia (Le Pied de Momie) de 1840; Deux Acteurs pour un Rôle (Dois Atores para um Papel), de 1841; Le Roi Candaule (O Rei Candaule), de 1844; Arria Marcella, lembrança de Pompéia (Arria Marcella, souvenir de Pompeï) de 1852; Avatar, de 1856; Jettatura de 1856; Spirite, de 1865, dentre outros contos e novelas que, se não podem ser classificados como pertencentes ao gênero fantástico em todas as suas características, recorrem ao sobrenatural e ao maravilhoso. Seu estilo pictórico e descritivo o fazia privilegiar o gênero fantástico, pois exigia de sua escrita a edificação de eventos sobrenaturais dentro da realidade cotidiana do século XIX. Por sua importância e extensa produção ficcional, Théophile Gautier é considerado atualmente um dos maiores expoentes da literatura fantástica francesa.

REFERÊNCIAS

GAUTIER, Théophile. Hoffmann. InMusée des Familles. Paris: Janvier, p. 118-123, 1841.
GAUTIER, Théophile. Contos Fantásticos. Tradução de Geraldo Gerson de Souza. São Paulo: Primeira Linha e Imaginário, 1999.
GAUTIER, Théophile. Romans, Contes et Nouvelles. Paris: Gallimard Éditions, Bibliothèque de la Pléiade, 2 volumes, 2002.
SPOELBERCH DE LOVENJOUL, Charles Vicomte de. Histoire des oeuvres de Théophile Gautier. Paris: G. Charpentier, 1887.