JORIS-KARL HUYSMANS – ficcionista

Daniel Augusto Pereira Silva

Nascido em Paris, em 5 de fevereiro de 1848, Joris-Karl Huysmans, nome artístico de Charles-Marie-Georges Huysmans, foi um escritor e crítico de arte francês. Ao longo de sua carreira, praticou diversos gêneros, tais como a poesia, o poema em prosa, o romance, o conto, a novela, a hagiografia, a pantomima, a crítica artística, entre outros. Colaborou com uma série de revistas e de periódicos, tanto na França quanto na Bélgica, nas quais publicou, majoritariamente, avaliações sobre artes visuais. Participou ativamente dos debates e das querelas do meio literário francês do final do século XIX, sobretudo quando saiu em defesa de Émile Zola e tomou partido pelo Naturalismo. Tornou-se conhecido, ainda, por ser um dos primeiros a julgar positivamente a pintura impressionista. Embora tenha buscado, sistematicamente, romper com as fronteiras entre as formas literárias e entre as poéticas, ao produzir narrativas híbridas, sua produção romanesca engloba obras naturalistas, decadentes e religiosas.

Alguns elementos associados ao insólito ficcional podem ser observados já nas primeiras narrativas do escritor, marcadas por técnicas realistas. Em obras como Marthe [1876], Sac au dos [1880] e Les Sœurs Vatard [1879], há diversas passagens voltadas para a produção de repulsa como efeito de recepção, além de descrições grotescas de personagens. Essa tendência se intensifica em Às Avessas [À Rebours, 1884], sua obra mais conhecida. Embora Huysmans não tenha sido adepto de nenhuma escola decadente, seu romance funcionou como texto paradigmático da decadência literária, constituindo alguns dos principais topoi e temas dessa poética. Seu protagonista, o esteta e aristocrata Des Esseintes, engendra situações marcadas pelo bizarro e pelo grotesco, em sua busca pelo artificial. Nesse contexto, mesmo objetos e seres horríveis e disformes são descritos de forma bastante estetizada, a partir de uma linguagem tributária da écriture artiste, repleta de termos raros, neologismos e inversões sintáticas. No romance, Huysmans associa sexualidade a doenças, ao desenvolver femmes fatales e personagens de gênero indefinido, tão atraentes quanto horríveis.

Dois outros romances do autor também dialogam com tradições literárias negativas e com procedimentos típicos do insólito. Em En rade [1897], grande parte da história se desenvolve em um castelo em ruínas, com uma ambientação bastante próxima à do Gótico setecentista, que funciona como um locus horribilis. Além disso, o protagonista, Jacques Marles, tem uma série de sonhos e pesadelos, nos quais eventos absurdos e estranhos ocorrem. Em Nas profundezas [Là-bas, 1891], Huysmans tematiza o satanismo e o ocultismo. Durtal, personagem principal do romance, decide escrever a biografia do marechal Gilles de Rais (1404-1440), repleta de passagens com violência explícita. Figura real da história francesa, o militar e aristocrata promovia, durante a Idade Média, diversos rituais em honra a Satã, durante os quais estuprava e assassinava crianças. Enquanto investiga o satanismo medieval, Durtal investiga as missas negras parisienses do final do século XIX, descritas como grandes orgias de mulheres histéricas.

Parte de seus escritos sobre arte também são de interesse para os estudos do insólito. No volume Certains (1889), Huysmans publicou o ensaio “O Monstro” [“Le Monstre”], em que propõe uma breve história das monstruosidades e do grotesco nas artes visuais. No texto, o escritor parte da hipótese de que o monstro teria progressivamente deixado de existir nas artes da modernidade, pois não possuiria mais a capacidade de horrorizar e teria se limitado ao burlesco. Apesar desse diagnóstico, ele defende que o final do século XIX testemunharia um ressurgimento das formas monstruosas. Munidos dos conhecimentos científicos sobre micro-organismos, larvas e vermes, os artistas conseguiriam produzir, novamente, monstros originais e assustadores. Antes de morrer, em 12 de maio de 1907, foi o primeiro presidente da Academia Goncourt, instituição célebre até os nossos dias por premiar os melhores romances publicados na França.


BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

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