CARLOS FUENTES – ficcionista

Ana Lúcia Trevisan

O escritor mexicano Carlos Fuentes nasceu em 11 de novembro de 1928, na Cidade do Panamá, onde seu pai, naquele momento, era o diplomata responsável pela embaixada mexicana naquele país centro-americano. Passou sua infância e adolescência em diferentes países, como Estados Unidos, Argentina, Chile, Equador e Brasil. Foi diplomata e, também, professor em renomadas universidades norte-americanas e europeias. Ganhador de importantes prêmios literários, como o Prêmio Miguel de Cervantes (1987) e o Prêmio Príncipe de Astúrias (1994), pode ser considerado um dos principais ficcionistas hispano-americanos do século XX, seu nome referenda, também, uma gama de textos jornalísticos e de crítica literária. A sua obra, bastante extensa, está marcada pela erudição e por uma vigorosa reflexão sobre temas atinentes aos processos políticos e culturais presentes na formação das mentalidades do continente latino-americano. O autor faleceu em 15 de maio de 2012, na Cidade do México.

A formulação de uma narrativa vinculada ao fantástico surge na obra de Fuentes em sua primeira publicação, o volume de contos Los días enmascarados (1954) e, logo, em contos de Cantar de ciegos (1964). O fantástico em Carlos Fuentes, que apresenta uma proposição reflexiva a respeito das identidades mexicanas, está marcado por um modus operandi que remonta tanto uma narrativa fantástica de viés tradicional, em que as dúvidas e ambiguidades compõem a atmosfera e o quadro de tensões do relato; como também pela inserção do insólito naturalizado, construído a partir da disposição de imagens míticas do passado pré-hispânico, permeadas pelas tonalidades do insólito ficcional e reveladoras de memórias ancestrais e coletivas. Em contos como “Chac Mool”, “Tlactocltzine”, “Por boca de los dioses” ou “Letania de la orquídea” percebe-se, por exemplo, a composição de personagens representativos de variados contextos míticos e históricos mexicanos, emoldurados em uma composição narrativa marcada tanto pela transgressão temporal, que resgata elementos míticos, como pela textualidade narrativa marcada por ambiguidades. A multiplicidade cultural e a temporalidade fragmentada, reveladas nas imagens construídas pelos mecanismos da narrativa fantástica, também são destaque em contos como “La muñeca reina” e em outras obras do autor, como na novela Una família lejana (1980), no volume de contos Constanza y otras novelas para virgenes (1995) e Vlad (2010).

As manifestações do insólito, em Fuentes, inserem a transgressão de uma perspectiva temporal pré-concebida e, dessa forma, no âmbito da diegese, o tempo será simultâneo, fragmentado, expandido ou cíclico compondo o que David Roas postulou como “la perversión fantástica del tiempo” (ROAS, 2012). A novela Aura (1962), narrativa fantástica exemplar de Carlos Fuentes, se sustenta inteiramente pelas imagens do insólito inter-relacionadas à transgressão da temporalidade cronológica. A trama, que se desenvolve a partir da suspeita de que as duas personagens principais do relato, a jovem Aura e a anciã Consuelo, são na verdade uma só pessoa configura a imagem de que uma existência de simulacro pode existir em um tempo/espaço real. O insólito não se limita a esse conflito, ele se amplia gradativamente pois, ao fim, desvenda-se para os leitores o mistério de outras existências duplicadas ainda que separadas temporalmente, os personagens Felipe Montero e General Llorente. Esse relato de mistérios e enganos, ao utilizar o foco narrativo na 2ª pessoa (tu), imprime um tom premonitório, por meio do anúncio de um futuro sempre eminente e, nesse sentido, provoca uma aproximação do ponto de vista dos leitores, que passam a perceber-se como sujeitos partícipes dos eventos insólitos narrados, aprisionados na temporalidade cíclica da narrativa.

A obra do escritor mexicano Carlos Fuentes tem sido hábil na explicitação dos mecanismos de sobrevivência e até mesmo de resistência cultural presentes no continente latino-americano e, desta forma, tem conseguido refletir sobre uma multiplicidade cultural e temporal. Diferentes personagens de seus romances e contos compõem uma amplitude cultural marcada pelos eixos da diacronia histórica, logo, tornam-se ícones representativos da profusão de temporalidades que perpassa o cotidiano do sujeito latino-americano. Assim, para compreender os tempos do passado, do presente e do futuro, que convivem em uma relação simbiótica, Fuentes criou pelas imagens do insólito ficcional um imaginário literário, que parte de um pressuposto crítico tantas vezes destacados em suas entrevistas e ensaios. Segundo Fuentes em seu livro de ensaios Tiempo mexicano, “la coexistencia de todos los niveles históricos en México es solo el signo externo de una decisión subconsciente de esta tierra y esa gente: todo tiempo debe ser mantenido. ¿Por qué? Porque ningún tiempo mexicano se ha cumplido aún” (FUENTES, 1971, p. 10)

REFERÊNCIAS

FUENTES, Carlos. Tiempo mexicano. México: Joaquín Mortiz, 1971.
ROAS, David. Cronologías alteradas: la perversión fantástica del tiempo. In: GARCIA, Flavio e BATALHA, Maria Cristina (Orgs). Vertentes teóricas e ficcionais do insólito. Rio de Janeiro: Ed. Caetés, 2012.

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

DURÁN, Gloria. La magia y las brujas en la obra de Carlos Fuentes. México: UNAM, 1976.
FUENTES, Carlos. Aura. México: Era, 1962.
FUENTES, Carlos. Constancia y otras novelas para vírgenes. México: FCE, 1991.
FUENTES, Carlos. Una familia lejana. México: Ed. Era, 1991.
GIACOMAN, Helmy F (Ed). Homenaje a Carlos Fuentes: variaciones interpretativas en torno a su obra. New York: Las Américas, 1971.
ORDIZ, Francisco Javier. El mito en la narrativa de Carlos Fuentes. León: Universidade de León, 1987.
TREVISAN, Ana Lúcia. O espelho fragmentado de Carlos Fuentes: Literatura e História em Terra Nostra. São Paulo: Editora Mackenzie, 2008.