A obra The Bloody Chamber, de Angela Carter, foi publicada em 1979 e recebeu o Cheltenham Festival Literary Prize no mesmo ano. A coletânea inclui os contos A câmara sangrenta, O sr. Lyon faz a corte, A noiva do tigre, O gato de botas, O rei dos elfos, A filha da neve, A senhora da casa do amor, O lobisomem, A companhia dos lobos e A loba Alice.
Embora carregasse o título de “contos de fadas para adultos”, Angela Carter renegava veementemente esse título, assim como o de “versões de contos de fadas originais”. Como afirma Adriana Lisboa, tradutora da obra para a edição de 2017 do clube de livros TAG – Experiências literárias, “sua intenção era, antes, a de ‘extrair o conteúdo latente das histórias tradicionais e usá-lo como o ponto de partida de novas histórias’ (para citar a própria autora).” (LISBOA, 2017, p.7).
Merja Makinen, em Angela Carter’s the bloody chamber and the decolonization of feminine sexuality, aponta que a autora buscou trazer em primeiro plano a violência e o abuso, mas com uma narrativa que fornece uma incrível reescrita dos contos de fadas, fazendo com que o leitor se envolva ativamente em uma desconstrução feminista. Para a pesquisadora, Carter usa “[…]a violência como estratégia feminista”. (MAKINEN, 1992, p. 3).
Makinen traz à luz também o fato de que A câmara sangrenta dialoga com um leitor historicamente situado a partir do início dos anos 80, que já está educado, ou pelo menos iniciado, no feminismo e que levanta questões sobre as construções culturais e sociais sobre feminilidade.
A autora, operando uma reformulação dos contos de fadas e usufruindo de seu rico imaginário, se liberta das amarras da antiga ficção inglesa onde, em suas próprias palavras, “as pessoas bebem chá e cometem adultério”. (LISBOA, 2017, p.7). Usando de simbolismos e bebendo da fonte do gótico, Carter traz à luz a sexualidade heterossexual feminina e não deixa o leitor confortável, incluindo em seus textos violência, perversão e passividade, coisas que nunca são vistas como virtude.
Outro destaque importante na escrita de Angela Carter é a riqueza visual e o fato de que a autora dá ao leitor uma visão detalhada das cores, cheiros e texturas em cada um de seus contos, tornando cada detalhe peça fundamental em sua narrativa, dando significados particulares em cada objeto, situação e personagem descrito.
Lisboa aponta que, no texto carteriano, o espaço do desejo é mostrado da maneira em que a identidade humana se despe para que a verdadeira natureza dos personagens possa aparecer: “[…] Opostos que se anulam ou se aproximam, de híbridos que a razão não terá como “normalizar”, do desejo profundamente erotizado que é um portal para a vida e para a morte e que vem entretecido ora à ternura, ora à violência” […] (LISBOA, 2017, p. 8 e 11). O que torna os contos de A câmara sangrenta e outras histórias atemporais é o fato de que eles falam com a essência do ser, mais do que as circunstâncias, além de trazer à tona o que, no humano, segue sendo muito humano e assustadoramente animal.
Abraçando a rebeldia e dando voz àquelas que não eram ouvidas, Carter prepara seu campo fictício com uma escrita cheia de entusiasmo, envolvente e calorosa. Rushdie, em sua introdução para a coletânea Burning Your Boats: The Collected Short Stories, assim descreve a escrita de Angela Carter: “ela abre uma história antiga para nós, como um ovo, e encontra uma nova história, a história que queremos ouvir agora, intimamente” (RUSHDIE, 1997, p. 14).
REFERÊNCIAS
CARTER, Angela. A câmara sangrenta e outras histórias. Tradução de Adriana Lisboa. Porto Alegre: Dublinense, 2017.
LISBOA, Adriana. Prefácio. In: CARTER, Angela. A câmara sangrenta e outras histórias. Porto Alegre: Dublinense, 2017. p. 7-11.
MAKINEN, Merja. Angela Carter’s the bloody chamber and the decolonization of feminine sexuality. Feminist Review No 42, Autumn 1992.
RUSHDIE, Salman. Introdução. Burning your Boats: The Collected Short Stories. Londres: Penguin Publishing Group, p. 14, 1997.
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
MENINO, Camila Biel. Correndo com os tigres: o feminino nos contos de fadas de Angela Carter. 2021. 124 páginas. Dissertação (mestrado em Literatura e Vida Social). UNESP – Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Letras de Assis, 2021.
RAPUCCI, Cleide Antonia. Exposta ao vento e ao sol: a construção da personagem feminina na ficção de Angela Carter. 1997. Tese (doutorado). UNESP – Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Letras de Assis, 1997.
RAPUCCI, Cleide Antonia. As traduções para o português do conto “the lady of the house of love” de Angela Carter. Criciúma: III Congresso Ibero-Americano de tradução e interpretação, 2004.
RODRIGUES, Talita Annunciato. Identidades em movimento: a representação feminina e as relações de gênero na obra de Angela Carter. 2015. Tese (doutorado em Literatura e Vida Social). UNESP – Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Letras de Assis, 2015.