HORACE WALPOLE – ficcionista

Ana Sofia Louro

Horace Walpole (1717-1797) foi um escritor, político e homem de letras-inglês e o quarto conde de Orford, título que herdou do seu pai, Robert Walpole (1676-1745), o primeiro ministro britânico e o primeiro conde de Orford. Horace Walpole, o mais novo entre cinco filhos, estudou no Eton College, e em Cambridge. Assim como o pai, destacou-se na vida política, nomeadamente no parlamento inglês, lugar em que  foi deputado.

Horace Walpole não foi uma figura consensual. À época foi considerado alguém extravagante, excêntrico e sem grandes méritos numa imagem que Thomas Macaulay (1800-1859) sintetizou assim:

The faults of Horace Walpole’s head and heart are indeed sufficiently glaring. His writings, it is true, rank as high among the delicacies of intellectual epicures as the Strasburg pies among the dishes described in the Almanach des Gourmands. But, as the pâte-de-fois-grais owes its excellence to the diseases of the wretched animal which furnishes it, and would be good for nothing if it were not made of livers preternaturally swollen, so none but an unhealthy and disorganized mind could have produced such literary luxuries as the works of Walpole. (MACAULAY, 1866, p. 1-2)

Após a sua morte e, sobretudo, durante o Vitorianismo, Walpole foi considerado um contributo menor e parcial. Todavia, paulatinamente, viria a respeitar-se como inestimável, nomeadamente em virtude das memórias que escreveu — como Memoirs of the Last Ten Years of George II (1822) e Memoirs of the Reign of George III (1845) — e da vasta correspondência na qual descreveu sucintamente a vida social e política da época.

Na sua correspondência é encontrada a primeira utilização da palavra serendipityserendipidade — cuja origem é, desde então, atribuída a Walpole. Em 1754, numa carta, Walpole se referiu ao conto Persa The Three Princes of Serendip — em que os príncipes protagonistas fazem permanentemente descobertas inesperadas — para justificar o uso de serendipity a fim de descrever uma descoberta feliz e inesperada.

Uma das razões pelas quais Horace Walpole foi inicialmente e amiúde visto como uma personalidade extravagante, insólita e dotada de uma mente desorganizada deveu-se, em parte, ao seu contributo literário e estético. Walpole é usualmente recordado como o fundador do Romance Gótico pela produção de The Castle Of Otranto (1764).

A importância de Walpole para a origem do Romance Gótico insere-se no seu contributo para a consolidação da estética gótica per se. De fato, o que se considerou ser um renascimento gótico na arquitetura em meados do século XVIII e que se relacionou proximamente com a origem do  Romance Gótico, deve-se a Walpole.

Nesse âmbito se incluiu o projeto de Walpole referente à sua propriedade — Strawberry Hill — adquirida em 1747. Com localização nas margens do rio Thames, Walpole começou a recuperá-la e a proceder a uma série de alterações com o intuito de ir ao encontro do estilo arquitetónico medieval, acrescentando-lhe elementos góticos como torres e estruturas semelhantes a muralhas, bem como elementos decorativos interiores como peças de antiquário e lareiras antigas.

O estilo arquitetónico recuperado na Casa Strawberry foi de tal forma inovador, insólito e singular à época que ficou comumente conhecido como Strawberry Hill Gothic, sendo percussor e incentivador do revivalismo gótico, cujo objetivo era recriar o ambiente gótico medievo e que influiu o espírito e as intenções de outros proprietários que iam adquirindo propriedades com o mesmo desígnio. Foi o caso de, por exemplo, William Thomas Beckford (1760-1844), autor do Romance Gótico Vathek (1786), que idealizou a propriedade que viria a ficar conhecida como Fonthill Abbey.

Nesse âmbito se inclui igualmente o relevante contributo de Walpole no que refere a estética de exteriores. Com efeito, um dos elementos que mais contribuíram para a recriação a que Walpole almejou na Casa Strawberry foram os jardins que concebeu e que foram de tal modo impactantes à época que originaram uma voga que popularizou o que ficaria conhecido por estilo moderno dos jardins ingleses. O pensamento de Walpole sobre o assunto materializou-se nos jardins da casa Strawberry e foi teoricamente exposto no ensaio On Modern Gardening (1771). Apelando a um espírito nacional, Walpole defendeu uma estética assente nas condições da natureza local. Paradoxalmente, apelando ao afastamento face a modelos de outros países, Walpole considerou o jardim inglês o modelo a seguir: “(…) we have given the true model of gardening to the world; let other countries mimic or corrupt our taste; but let it reign here on its verdant throne, original by its elegant simplicity, and proud of no other art than that of softening nature’s harshness and copying her graceful touch.” (WALPOLE, 1904, p. 81)

Walpole foi igualmente responsável, em 1757, pela criação de uma editora que sediou na casa Strawberry. Inicialmente apelidada de Officina Arbuteana, a editora ficou conhecida como Strawberry Hill Press e publicou as obras de Walpole e de autores como, por exemplo, Thomas Gray (1716-1771). A casa Strawberry é ainda relevante pelo seu papel na inspiração de Walpole à produção de The Castle of Otranto.

Horace Walpole faleceu a 2 de março de 1797. Na ausência de descendência, todas as suas posses e direitos autorais foram distribuídos entre amigos, filhos de amigos e familiares. É hoje indiscutível o valor do seu contributo. Deixar um testemunho da sua época parece ter sido um dos objetivos da sua vida, declarado em 1760 numa carta: “I have everything in the world to tell posterity.” (403) Ketton-Cremer, um biografo seu, conta que esta necessidade de contar a história da sua época à posterioridade definiu a vida e a obra de Walpole:

He selected with great care the friends whom he proposed to favour with his letters; he saw to it that each particular branch of his activities and interests — politics, literature, antiquarianism, social life — should be regularly depicted in series of letters addressed to an appropriate correspondent; and if, by death or disagreement, he lost one of these ‘key’ correspondents, the gap was filled with as little delay as possible, so that the narrative of events should not suffer. It is impossible to exaggerate either his solicitude for posteriority, or the skill with which he ensured that his varied records should reach posterity in the most complete and attractive form. (WALPOLE, 1906, p. 19)

As suas memórias e correspondência são hoje, efetivamente, estimadas como pertinentes retratos da sua época, nomeadamente no concernente à esfera política e social. A sua relevância inspirou, em 1911, a Walpole Society que, sediada no Museu Britânico, promove o estudo da arte britânica.


REFERÊNCIAS

MACAULAY, Thomas Babington. The Works of Lord Macaulay. v. VI. George MacaulayTrevelyan (Ed). Longmans, Green, and co., 1866.
KETTON-CREMER, Robert Wyndham. Horace Walpole. A Biography. Methuen, 1964.
WALPOLE, Horace. On Modern Gardening. Kirgate Press, 1904.
WALPOLE, Horace. The Letters of Horace Walple. Peter Cunningham (Ed). John Grant, 1906.