COMPANY OF WOLVES (THE), literatura – Angela Carter

Cleide Antonia Rapucci

Conto escrito por Angela Carter e publicado pela primeira vez na revista literária Bananas (abril de 1977), incluído posteriormente na coletânea The Bloody Chamber and Other Stories, publicada em 1979. Em 1984, foi lançado o filme com o mesmo titulo, cujo roteiro Angela Carter escreveu com Neil Jordan e que teve Angela Lans bury no papel da avó. Angela Carter também fez da historia uma peça para rádio.

Carter recria a historia de Chapeuzinho Vermelho, revisitando, sobretudo, Charles Perrault, cujos contos ela havia traduzido para o inglês. Pelo uso da sagacidade, a menina se livrará do papel de vítima, mas com o direito de optar. Carter usa o conto de Perrault, justamente pela ausência de consolo, que era algo que ela desprezava nos mitos e contos de fadas, mas não deixa que a garota seja devorada, revertendo, novamente, o original. Como a própria Angela Carter disse em entrevista a John Haffenden, “she eats the wolf, in effect” (HAFFENDEN, 1985, p. 83).

A primeira parte de “The Company of Wolves” trabalha com o lobo enquanto parte do folclore, reforçando os aspectos etônicos, infernais do símbolo. São apresentadas histórias do lobo que, capturado, se transforma em humano; da bruxa que transformou os convidados de casamento em lobos; do homem que desapareceu na noite de núpcias retornando tempos depois como lobisomem. Temos aqui um narrador em terceira pessoa que é, significativamente, substituído pela avó na peça e no filme. Esse discurso caracteriza o lobo como “carnívoro encarnado” (CARTER, 2017, p. 193), astuto, feroz, insaciável: “uma vez tendo sentido gosto de carne, nada mais vai servir” (CARTER, 2017, p. 193).

O narrador fala com uma segunda pessoa, envolvendo o leitor na narrativa: “Mas aqueles olhos são tudo o que terá condições de vislumbrar dos assassinos da floresta enquanto eles se agrupam de forma invisível em torno do seu cheiro de carne, à medida eu você atravessa o bosque tarde demais” (CARTER, 2017, p. 193). Os olhos do lobo são avermelhados à noite (“vermelho para o perigo”, p. 193): o conto vai sendo pintado de vermelho muito antes de o leitor encontrar Chapeuzinho.

A primeira parte termina com todo o conjunto de crenças em torno do lobisomem: como uma pessoa se torna um lobisomem, como pode deixar de ser ou não, como se proteger de um, etc. É esse o conhecimento que a menina recebeu da tradição, que a previne: “Antes que possa se tornar um lobo, o licantropo fica completamente nu. Se você divisar um homem nu entre os pinheiros, deve correr como se o Diabo estivesse atrás de você” (CARTER, 2017, p. 197).

A menina está preparada para isso, mas será surpreendida de outra forma. Na segunda parte do conto, quando se dá a nova historia, ela é apresentada ao leitor como uma “menina obstinada” (CARTER, 2017, p. 198), que carrega uma faca na cesta. Na floresta, ela não encontra “nenhum sinal de lobo, nem de um homem nu”, mas como o texto original nos indica, a figura do caçador traz os dois em um só: “a fully clothed one, a very handsome young one, in the green coat and wideawake hat of a hunter” (CARTER,1981, p.114, ênfase minha).

A menina e o caçador logo estão rindo e brincando como “velhos amigos”. Quando ele se oferece para carregar a cesta, ela lhe entrega com a faca dentro, pois ele lhe diz que seu rifle os protegerá. Além disso, ele tem uma bússola e aposta com ela que conseguirá chegar à casa da avó antes dela, guiado pela bússola. A aposta é um beijo. O caçador tem todas as características do lobo descrito por Perrault na sua moralidade: belo, gentil, alegre e charmoso.

Para Bettelheim (1988), o lobo é o sedutor masculino, como também as tendências animalescas dentro de nós. Angela Carter, comentando sobre o filme, enfatiza que os lobos representam muitas coisas, embora sejam basicamente libido no filme (HAFFENDEN, p. 84). Vale observar que na interação das duas personagens no conto “The Company of Wolves”, o lobo não é, o tempo todo, agente; e a garota não é, o tempo todo, objeto passivo, como alguns críticos quiseram propor. O que a menina faz é, como afirma Carter sobre as mulheres da coletânea Wayward Girls and Wicked Women, fugir do papel de vítima usando a sagacidade. O patriarcado já preestabeleceu as regras do jogo; a história de Chapeuzinho Vermelho já está codificada. Resta à protagonista não ser mais vítima; o lobo, porém, existe.

REFERÊNCIAS

BETTELHEIM, B. A psicanálise dos contos de fadas. 7ª. ed. Tradução de Arlene Caetano. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
CARTER, A. The Bloody Chamber and Other Stories. London: Penguin, 1981.
CARTER, A. A Câmara Sangrenta e Outras Histórias. Tradução de Adriana Lisboa. Porto Alegre: Dublinense, 2017.
HAFFENDEN, J. Angela Carter. In: Novelists in Interview. London: Methuen, p. 76-96. 1985.