ALBERTO CHIMAL – ficcionista

Daniele Aparecida Pereira Zaratin

Nascido no México de 1970, Alberto Chimal é considerado por muitos críticos literários como uns dos mais relevantes ficcionistas das letras hispânicas contemporâneas. Versátil em sua escrita, o mexicano transita entre os mais distintos gêneros, sendo autor de ensaios, poesia, peças de teatro, romances, contos e minicontos. Além disso, é tradutor de textos de Edgar Allan Poe para o espanhol, atuando também como professor e divulgador de escrita criativa. Sua página Las Historias transformou-se num importante site de consulta para quem deseja conhecer mais sobre a literatura produzida não apenas pelo escritor mexicano mas por outros autores também.

Apesar de contar com obras de viés realista, o panorama de sua produção literária revela uma especial predileção pela literatura que traz em seu bojo a emersão do insólito. Seus escritos sublinham a criatividade de toda sua “imaginación fantástica” (CHIMAL, 2019, grifo do autor), sendo possível observar reiterados diálogos com autores, temas e modos de narrar do fantástico e de suas vertentes, como o horror, o grotesco, a ficção científica e até mesmo o maravilhoso.

Em um de seus mais inquietantes contos, o “La mujer que camina para atrás” (2013), o autor lança mão de estratégias discursivas amplamente utilizadas em narrativas de um fantástico tradicional. O enredo da narrativa apresenta ao leitor um cenário verossimilhante, ambientado na Cidade do México, local no qual prevalece a exploração da mão-de-obra dos sujeitos e a inquietação perene das personagens por precisar transitar num espaço marcado pela violência urbana banalizada e iminente. Por meio de recursos narrativos, esse cenário reconhecível pelo leitor vai, pouco a pouco, ganhando nuances de insólito ao suscitar imagens trágicas do passado, do pós-terremoto de 1985, e ao revelar a emersão do grotesco, do “meta-empírico” (Filipe Furtado, 1980):

De pie.
Firme.

Vieja, muy vieja, con la vista fija en ningún lugar como si yo no estuviera allí. […] Y olía… […] olía a carne podrida, a cloaca […] no era un resto de nada vivo. A eso olía la vieja también: a algo que no debía existir y, sin embargo, existía […] y su nariz estaba abierta como una herida roja. ‘¡Sigues vivo!’ – me dijo a mí también […] la vieja se alejó de ella caminando para atrás, rapidísimo, sin ver jamás hacia donde iba […] (CHIMAL, 2013, p. 214-215).

Narradores em primeira pessoa, utilização de mecanismos de surpresa, uso de elipses, hesitação manifesta, recorrência de léxicos ambíguos, perversidade e violência hiperbólicas, o domínio alheio e a decomposição dos corpos, a imposição de um presente angustiante, o resgate de memórias trágicas do passado, a (nem sempre) inquietante irrupção do insólito, bem como o medo da ameaça ao “físico-emocional” e-ou ao “metafísico-intelectual” (ROAS, 2011, p. 95-96) são algumas das características que permeiam as narrativas do autor.

Além de escrever narrativas que se estruturam em mecanismos discursivos do fantástico mais tradicional, Alberto Chimal também privilegia, como já mencionamos, a ficção científica, como observado em La noche en la zona M (2019), seu último romance. Também ambientado na Cidade do México “pós caída do mundo”, o romance apresenta uma sociedade distópica imersa nas consequências implacáveis e irremediáveis do aquecimento global, sociedade na qual as desigualdades sociais prevalecem e a verticalidade da hierarquia que domina as relações de gênero se acentuam. Imagens características da ficção cientifica se mesclam às imagens discursivas da cultura mexicana. Dessa forma, há os “troceados”, monstros híbridos entre máquina e partes dos corpos de suas vítimas, e a presença de estátuas de divindades da cultura pré-hispânica, numa conjunção de tempos e possibilidades.

A “imaginação fantástica” de Alberto Chimal é, como observado nessas breves linhas, abrangente e plural, englobando o insólito em suas diferentes perspectivas. Suas narrativas do insólito, longe de se descolar da realidade, suscitam, antes, reflexões sobre seu tempo, sobre seu contexto de produção e sobre as distintas vertentes do insólito ficcional.

REFERÊNCIAS

CHIMAL, Alberto. Las Historias, 2005. Disponível em: http://www.lashistorias.com.mx/. Acesso em 18 set. 2019.
CHIMAL, Alberto. La noche en la zona M. DF: Fondo de Cultura Económica, 2019.
FURTADO, Filipe. A construção do Fantástico na narrativa. Lisboa: Livros Horizonte, 1980.
ROAS, David. Tras los límtes de lo real. Una definición de lo fanstástico. Madrid: Páginas de Espuma, 2011

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

ÁLVAREZ MÉNDEZ, Natalia. La literatura de lo maravilloso: El universo mítico de Alberto Chimal, 2013. Disponível em: https://bibliotecas.unileon.es/tULEctura/2013/11/14/la-literatura-de-lo-maravilloso-el-universo-mitico-de-alberto-chimal/. Acesso em 22 set. 2019.
CAAMAÑO-Morúa, Virginia. Seres monstruosos y cuerpos fragmentados. Sus representaciones en dos relatos fantásticos de Alberto Chimal. Revista de Filología y Lingüística de la Universidad de Costa Rica. v. 39, n. 1, p. 159-178, 2011. Disponível em: https://revistas.ucr.ac.cr/index.php/filyling/article/view/13862. Acesso em 19 set. 2019.
CHIMAL, Alberto. Página oficial. Disponível em: https://www.albertochimal.com/alberto-chimal/. Acesso em 17 set.2019.
GORDON, Samuel. Poéticas mexicanas del siglo XX. México: Ediciones y Gráficos Eón, 2004.
GORDON, Samuel. Mito, fantasía y recepción en la obra de Alberto Chimal. México: Ediciones y Gráficos Eón, 2006.
ORDIZ VÁZQUEZ, Francisco Javier. Estrategias y figuraciones de lo insólito en la narrativa mexicana (siglos XIX–XXI). Bern, Switzerland: Peter Lang UK, 2014.